domingo, 29 de janeiro de 2012

O Filósofo Lendo, de Chardin: Uma Análise

Jean-Baptiste Chardin, O Filósofo Lendo (1734).

No post anterior, sobre os livros cobrados em 2013 pelos vestibulares da FUVEST-UNICAMP, foi apresentado um quadro de Jean-Baptiste Chardin de 1734, O Filósofo Lendo. Trata-se de uma obra com simbologias interessantes que permitem que sejam passadas algumas mensagens muito úteis para as abordagens deste blog. Assim, seria válido fazer um exercício de leitura dele. Para tanto, baseio-me no que o filósofo George Steiner expôs em 1978 no seu O Leitor Incomum.
O primeiro elemento que deve merecer destaque é a roupa do leitor. É importante notar que ele usa uma vestimenta formal, como se tomasse parte de um cerimonial, de um culto. Tanto que porta um chapéu, o que transmite, no contexto, um ar sagrado ao ato que está realizando. Reforça ainda essa atmosfera solene a expressão compenetrada da personagem, o seu alheamento em relação ao que a cerca, além do silêncio que domina o ambiente. Todos esses ingredientes nos ensinam que a leitura é um ato sério, de concentração quase sagrada, pois só assim alcançará eficiência. Infelizmente, são elementos que estão se tornando raros nas gerações atuais, extremamente dispersas e desfocadas. Dominar essas habilidades, portanto, garante uma enorme vantagem diante da mediocridade que impera o pensamento atual.
O segundo elemento importante é a ampulheta, no canto inferior esquerdo do quadro. Ela instala um interessante e poderoso paradoxo. A começar, esse instrumento, que representa a brevidade do tempo humano, se for deitado, vai lembrar o símbolo do infinito. Efemeridade e perenidade em um mesmo objeto. A conjunção dessas qualidades opostas coloca em foco grandes questões ligadas à leitura. A primeira é a de que o tempo que escorre, o qual marca tanto o fluir da vida do leitor quanto o da leitura, evoca a grande e prazerosa angústia do intelectual – a incompatibilidade entre o tanto que se quer ler e o pouco de tempo que se tem de vida para isso.
Outro ponto interessante nesse aspecto temporal é o diálogo entre eterno e passageiro na relação entre o leitor e a leitura. O homem tem uma existência breve, ainda mais quando comparado com a duração das ideias que são veiculadas por um livro. Entretanto, é esse bicho da terra tão pequeno e efêmero que, por meio da degustação de um texto, acaba dando eternidade ao que está em uma publicação. Em suma, esta é superior ao homem, pois o supera em durabilidade; entretanto, essa superioridade só é possível pelo fato de existir alguém, ainda que fugaz, que leia esse volume.
Por fim, o terceiro elemento que merece destaque é o bico de pena que se encontra ao lado da ampulheta. Ele revela que o leitor não assume uma postura passiva de mero receptáculo do que é apresentando pelo livro. Muito ao contrário disso, sua atitude é ativa, pois demonstra uma disposição a fazer anotações, a concordar, a discordar, a resumir, a acrescentar. Ratifica o postulado de que um intelectual lê escrevendo. A verdadeira leitura se faz com escrita. Quem lê bem escreve bem. Quem escreve bem lê bem. Impossível admitir o contrário.
A aceitação de todos esses elementos expostos aqui – nunca é demais repetir – é condição essencial para que a leitura se realize de maneira eficaz, contribuindo para o desenvolvimento do homem em sua plenitude cognitiva e afetiva. E uma boa maneira de praticar um pouco mais essas habilidades é fazer a comparação do quadro de Chardin com a pintura abaixo, Leitura (1892), de Almeida Júnior, apontando diferenças e semelhanças. Vamos lá?


10 comentários:

  1. Na segunda pintura a mulher está mais despreocupada, fazendo uma leitura mais relaxante, enquanto na outra pintura o homem chega até a fazer anotações de sua leitura, ou seja, fazendo analises do conteudo do livro. Certo?

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  2. Certíssimo, Ferlu! E o que mais você pode observar?

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  3. Na segunda pintura, a mulher tem uma postura relaxada e despreocupada. A leitura para ela é um passatempo. Também ao contrario da primeira, onde, como você colocou, o filósofo possui uma pena e se encontra "ativo", ela lê passivamente, sem qualquer instrumento ou objeto que indique ação.

    Não tenho certeza, mas o fato de que ela está sentada ao ar livre pode indicar que ela está lendo lá para aproveitar o clima e a paisagem, enquanto no primeiro quadro, a leitura é a finalidade em si.

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    1. Não tinha pensado nessa ideia de que ela estar ao ar livre serve para aproveitar o clima e a paisagem. Pensei apenas que em Chardin a leitura o faz desligar-se do mundo, concentrar-se. Suas observações, srta. Gruber, foram muito boas. Gostei.

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  4. No primeira pintura, o filósofo se inclina sobre o livro em um ambiente fechado, o que pode simbolizar um tipo de afastamento do social e uma inclinação para o estudo. A postura desconfortável pela inclinação das costas e a forma com que ele cuidadosamente lê o volume que esta sobre a mesa, talvez indiquem que o filósofo se submeta ao livro até por que não há preocupação com o conforto. O olhar dele demonstra um grande interesse pelo que ele está fazendo, preferindo estar ali do que em outros lugares.
    No segundo quadro, há um ambiente aberto exposto ao sol, como uma casa de veraneio sugerindo talvez uma personalidade descontraída. A postura da menina na cadeira, totalmente relaxada procurando o máximo de conforto sugere um desleixo. A forma com que ela segura o livro demonstra a ausência de cuidado e preocupação com o volume. O olhar da moça, e a forma com que ela lê o livro sugerem que isso é apenas um hobbie, como se não tivesse coisa melhor para fazer.

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    1. Gostei muito de sua leitura, Yago. Bastante interessante essa sua maneira de ver que o filósofo se submetia ao livro, sem se preocupar com conforto. Parabéns!

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    1. Quer um exemplo de semelhança? Os dois quadros mostram alguém que se concentra na obra, ou em um cômodo próprio, como o primeiro, ou dando as costas para a paisagem linda. A leitura, portanto, exige uma concentração para que a gente possa mergulhar nela.

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  6. Acredito sim que, pela confortável posição da leitora e pelo modo descontraido em que se lê, sua atividade mostra-se como um hobbie.
    Entretanto, a leitura é um modo fundamental para obtenção de conhecimento, não importando se ela é feita como um hobbie ou como um aprofundado estudo.
    Analisando o clima observo que o céu aberto, o sol, o final de tarde, indicam uma agradável temperatura. Como em muitos lugares, os ventos poderiam deixar alguém que permaneceu numa única posição com frio. Logo, o sobretudo na cadeira ao lado evidencia que não pertence à protagonista do quadro, mas sim a alguém que preferiu fazer de hobbie, por exemplo, um caloroso passeio à beira do lago ao invés de saborear o livro que se encontra ao lado das peças de roupa, sobre a cadeira.
    A atitude desta leitora é louvável, uma vez que venceu o desejo de desfrutar da paisagem (afinal, ela está quase de costas para a bela vista da sacada) e de uma companhia.
    Acho que o quadro pode retratar as escolhas que fazemos. Podemos escolher estudar, ler, amadurecer, ou podemos escolher levar uma vida vazia de conhecimento e criticidade, uma vida superficial e fútil.
    Com certeza há muitos outros elementos que infelizmente não consegui fazer uma associação plausível, como os longos cabelos da leitora ou aquilo que está no seu regaço que não consegui identificar o que é (kkkkkk... =P ).
    Isso só é possível ser analisado com uma bagagem cultural que está dentro da cabecinha do senhorito Laude-Gaga.

    Saudade, professor.
    Beijão

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    1. Gostei muito de sua análise. Bem feita mesmo. Deu até prazer acompanhar suas observações.

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