domingo, 29 de abril de 2012

Til: o que ler nesse romance?

Caipira Picando Fumo (1893), de Almeida Júnior.

Ler Til (1872), de José de Alencar, é um desafio. A começar, sua linguagem tem um quê de antiquado, pois é adjetivosa e declamatória. Hoje, com a relativa democratização do acesso ao livro, não é mais comum alguém fazendo leitura em voz alta e enfática. Ler agora se tornou uma ação solitária, assim como ouvir música ou mesmo, paradoxalmente, interagir com o mundo pelas redes sociais. Além disso, nos tempos atuais se exige um estilo seco, direto, conciso. Quem enfeita demais na redação pode ser visto como alguém que está tentando esconder algo, como a falta de conteúdo ou algo pior. Já dizia João Cabral: folharada que oculta a fraude.
Paralela a essa característica corre o detalhismo de sua escritura. No século XXI já não há mais tempo e paciência para uma narrativa que se detém em descrever pormenorizadamente ambiente, mobília, roupa, mesmo que isso seja uma forma de dramatizar a cena, de dar mais vida às personagens, de permitir que se capte o caráter delas pela coerência que estabelecem com o meio em que estão inseridas.
Outra qualidade do romance em questão que seria um obstáculo à sua degustação é a idealização, que no Romantismo já era exagerada e se torna muito mais intensa em Alencar. Como ele era um homem que acumulou muitos ressentimentos em sua vida, alguns justificáveis, acabou tornando sua literatura um meio de fugir da realidade massacrante em que se encontrava. E em Til esse costume se mostra mais intenso, já que se trata de uma das últimas obras do autor.
Para piorar nosso quadro: quando se fala em “obras do autor”, vem logo à mente seus clássicos – O Guarani, Iracema, Senhora e Lucíola. Til, portanto, não faz parte desse conjunto. Então por que os dois maiores vestibulares do Brasil, FUVEST e UNICAMP, colocaram esse romance em sua lista de livros? Em outras palavras: qual a importância dessa obra? Em mais outras palavras: para que devemos ler essa narrativa? Em ainda mais outras palavras: o que há de importante nesse texto?
Uma condição inicial para se apreciar qualquer obra de Alencar é a noção de que ela precisa ser analisada pelo que é. Infelizmente, os detratores do autor cearense, acostumados com Machado de Assis e Graciliano Ramos, têm o costume de querer dele o que não vão encontrar mesmo. Mas basta lembrar que o próprio Machado era grande admirador do autor de Iracema, o que é um sinal de que essa mente brilhante estava analisando-o pela chave adequada.
Tendo isso em mente, devemos notar que a narrativa de Til é muito bem elaborada. Dos 62 capítulos, os 31 primeiros vão apresentando fatos que complicam a trama. Fica-se com a impressão de que há muito mistério solto, o que serve para prender a atenção do leitor. Tais enigmas só serão desvendados na outra metade do romance, que irá se basear em dois fatos perdidos no passado que desencadearam todo o presente.
Há quem possa se queixar de que ninguém teria disposição para passar por tantas charadas e elucubrações. Reclamação injusta. Na década passada, portanto há bem pouco tempo, a série Arquivo X fazia sucesso ao manter por anos seus telespectadores presos em um mistério que aos pouquinhos ia sendo revelado. Ou então, e não faz tanto tempo assim, Lost ganhava notoriedade por esses mesmos fatores.
Outro ponto positivo do romance é o dinamismo de sua ação. Alencar conquista a atenção do seu leitor nas reviravoltas e surpresas constantes de sua história. A impressão que se tem é a de que sua protagonista salta de um perigo para outro incessantemente (e sem soltar uma gota de suor...). O autor não se envergonha de apresentar momentos absurdos e mirabolantes, como aquele em que Berta e Pai Quicé correm o risco de sofrerem o ataque das queixadas e acabam sendo salvos por João Fera, que com o braço esquerdo segura a heroína em seu ombro, com o direito vai matando a facadas os porcos do mato e ainda com a boca arma uma garrucha para abrir caminho entre os animais selvagens.
Está aqui outro aspecto que torna o estilo alencariano ainda atual. Basta lembrar que as complicações na narrativa, e não importa o quão absurdas sejam, são a grande qualidade do gênero “capa e espada”, que vemos em filmes como os de 007, Missão Impossível e mais recentemente em Os Vingadores. Há uma hora em que a sequência de fatos é tão vertiginosa que já não se entende mais nada. Mas a compreensão não importa – o que interessa é não perder um passo que seja do desenrolar dos fatos.
Til também chama a atenção pelo desfile de horrores, que surpreendentemente contrasta com a sublimidade da protagonista e da natureza que a cerca. Há um débil mental epiléptico (Brás), um bandido sanguinário (João Fera), uma louca (Zana), um mau caráter vingativo (Barroso), todos vítimas de um sistema social dominado pela ideia de posse. Berta acaba se tornando a Bela no meio dessas feras, o Orfeu com o seu dom de amansar a maioria delas. Esse é outro elemento positivo do romance, pois é bastante popular o gênero que lida com desregrados que no final encontram sua redenção. Basta lembrar a história de Roberto do Diabo, que já faz parte do nosso folclore, ou mais recentemente “Faroeste Caboclo”, do Legião Urbana.
Por fim, a ideia de redenção. Inhá (também chamada de Til ou Berta) tem a função de elevar personagens que se encontram fora do sistema social. Sua função na narrativa é bastante alegórica e fica mais nítida no esforço que tem de fazer com que Miguel, seu meio-irmão, pare de fumar cigarro de palha e de usar “mecê” – em resumo, deixe de ser caipira. Simbolicamente, ele representaria a necessidade de São Paulo (a história se passa nos arredores de Campinas) de elevar-se culturalmente para poder se integrar ao resto do Brasil, ou seja, para poder ladear-se com a Corte. Expressa-se aqui um problema vital para a civilização brasileira: o conflito entre o apego às suas origens ou à inserção nos valores globalizados. O nosso eterno embate entre tradição e modernidade ou entre cor local e cosmopolitismo. Alencar parece estar aconselhando a segunda opção, mas não demonstra tanta convicção quanto a isso.
Há outros aspectos bastante válidos em Til, como o olhar sociológico de Alencar, a questão da escravidão, o regionalismo, mas provavelmente os apresentados neste post já são um bom incentivo para o começo da desbravante leitura dessa obra.

domingo, 22 de abril de 2012

Surplus: há saída para a sociedade de consumo?

O documentário sueco acima, Surplus (2003), pode parecer à primeira vista bastante desatualizado, tanto que apresenta figuras que já não estão mais no auge: Bush, Berlusconi, Blair, Fidel (quem justamente fala em off na abertura). Além disso, a cena inicial já perdeu o impacto de notícia – a reunião do G8 (ainda existe G8?) em 2001 na Itália, que gerou uma série de protestos que culminaram no homicídio cometido pela “polizia assassina”, algo inadmissível em um organismo de segurança do Primeiro Mundo. Entretanto, esse ar démodé é só aparência. Basta lembrar que o poder de fato não se encontra mais nas mãos de governantes. Esses são apenas fantoches das grandes corporações, que são transnacionais, tanto que transferem facilmente seus recursos de um canto a outro do planeta, protegendo-os das crises que pipocam aqui e ali. E basta também perceber que a linguagem em que o filme é apresentado compensa a possível deficiência temporal. Graças a uma edição no estilo dos videoclipes, com batidas próximas do pop ou do techno, com a repetição minimalista (rewrite) de imagens e sons que soam a Beryl Korot e Steve Reich em Three Tales e a sucessão de cenas que recorda a trilogia Qatsi de Godfrey Regio, sua comunicação com o público é imediata, ainda mais se se trata do jovem, de hábitos ainda não completamente cristalizados e, portanto, mais passível de ser doutrinado.
Sim, a grande preocupação dessa película é doutrinar, mas não no sentido pejorativo de incutir na cabeça de alguém um ponto de vista sectário, que não admite opiniões divergentes. Tanto que são apresentados pontos de vista de setores até mesmo contraditórios. Vemos depoimentos do filósofo anarquista John Zerzan, do ativista Kalle Lasn, dos ex-presidentes George Bush e Fidel Castro, do ex-primeiros ministros Silvio Berlusconi e Tony Blair, do bilionário Bill Gates, do presidente-executivo da Microsoft Steve Ballmer. A intenção é mostrar como se comporta nossa sociedade, prisioneira do desejo de consumo. Surplus mostra com eficácia que vivemos uma obsessão por possuir principalmente o de que não precisamos. E essa gana nos está destruindo. Perdemos boa parte de nossas vidas trabalhando incessantemente para... consumir. E produzimos lixo, poluímos, criamos bolsões de miséria e de exploração humana em nome dessa lascívia.
De fato, o grande deus de nossa civilização está se tornando o consumo, que nos tem atirado para uma autofagia desenfreada. Tanto que uma das grandes preocupações dos EUA logo após o 11 de Setembro foi não parar de gastar, já que as pessoas haviam caído num desânimo que não queriam mais sair de casa para comprar. E na crise de 2008, o remédio que os Estados Unidos utilizaram foi justamente o incentivo às vendas. Estava-se usando a própria causa como cura do mal em que se encontravam.
Essa loucura está nos encaminhando para um “colapso econômico global” e os sinais dele há muito já estão sendo dados. Mas parece que não estão sendo captados. Daí talvez a violência (sim, não deixa de ser violência) das ações inspiradas por Zerzan. Chegamos ao ponto de consumir para satisfação sexual. Aquisição de corpos sexuais? Tudo sob medida? Corpo número 2, corpo número 5... Como não percebemos o absurdo em que estamos mergulhados? Comprar um parceiro para o coito?
Os contrassensos apresentados pelo documentário servem, portanto, para que se questionem alguns mitos do mundo moderno, como as ideias de que temos o trunfo do poder de escolha ou de que a tecnologia veio para nos libertar. Poder de escolha? É mesmo escolha? É mesmo poder? A tecnologia vai nos libertar? Ou vai nos escravizar? O pior é que não notamos que, para se ter mais tecnologia, precisamos trabalhar mais. E é justamente essa tecnologia que nos torna mais prisioneiros do trabalho. Precisamos trabalhar mais para trabalhar mais? É isso?
Como não percebemos esse descalabro todo? Talvez a resposta fique mais nítida quando o filme chega à sua metade, no momento em que se mostra Cuba, que não “promove o consumismo” (palavras de Fidel), que garante que todos tenham as necessidades básicas. Em outras palavras, essa ilha seria um paraíso onde não há a miséria que vemos em países capitalistas/consumistas como Brasíl, Índia e até mesmo Estados Unidos. Mas fica uma sensação de que algo não está funcionando adequadamente. Basta notar a empolgação da jovem cubana que esteve na Europa. A maneira caricaturesca com a qual descreveu o nosso mundo foi muito singela: ver televisão, comer, engordar e querer sempre mais, mais. Essa ingenuidade revelou aspectos muito sérios. Primeiro, que os ideais do país em que ela mora não a satisfazem. Segundo, que estamos presos a uma espiral infinita de consumo e insatisfação. O que está acontecendo de errado?
Quando então vemos a cena do discurso de Fidel, com cubanos marchando, salta à vista a metáfora de que todos estão pensando de maneira igual. A mesma lavagem cerebral que as propagandas consumistas fazem. E a aproximação da cena de Castro com a de Steve Ballmer (“I love this company!”) mostra que nós, consumistas ou socialistas, somos cordeirinhos que necessitam orientação. Não temos liberdade.
A visão desses dois lados, comportando-se da mesma maneira, lobotomizados, faz perceber que a questão é mais profunda. E Surplus entendeu, pois mostra Svante, jovem do leste europeu que ficou milionário com investimento em internet. Agora ele tem tudo o que os consumistas mais almejam: muito, mas muito dinheiro para realizar o que aquela jovem cubana mais desejava, assim como todos nós - comprar. Mas vemos que a existência do pobre rico europeu é tediosa. É uma constatação ao mesmo tempo impressionante e simples, pois revela que o consumismo existe para suprir o vazio de nossas vidas. Uma realidade simples. E que faz lembrar o final de “Confidência do Itabirano”, de Drummond: “Mas como dói!”.
Assim, o dom desse documentário está em, apresentando vários pontos de vista, incentivar a liberdade de pensamento para que consigamos desenvolver uma capacidade crítica e fugir da lobotomia, seja a consumista, seja a socialista, para que escapemos do vazio de nossas existências. Se é que somos capazes de tal.

domingo, 15 de abril de 2012

"Pobreza Pega" - a mensagem das entrelinhas

Sabe-se que um texto ganha sentido pela articulação que há entre os elementos que o compõem. Além disso, sua significação também é garantida pelo contexto histórico-social em que se insere. Mas um ponto interessante e bastante válido para a eficiência de leitura está na observação das mensagens que ficam nas entrelinhas, que falam muito mais do que o que está sendo explicitamente dito. Assim, por exemplo, quando escritos antigos dizem que a mulher deve respeitar o marido, isso é um sinal de que há esposas que não se dedicam a essa prática; do contrário, não haveria necessidade para a existência de tal pregação.
Com base no que se está afirmando, o que pode ser detectado nas entrelinhas do vídeo acima?  Chama a atenção nele a repetição intensa de duas frases: “Eu sou rica!” e “Pobreza pega”. E tudo acompanhado de uma sequência de vilãs de telenovelas, na maioria abastadas, mas todas donas de grande aceitação e até de seguidores. Mas essa é a mensagem explícita. O que há de implícito?
Essa peça do DJ Rafael Lelis e do VJ José Del Duca exibe uma rejeição exagerada à pobreza e uma necessidade imperiosa de ostentação que revela a típica insegurança de quem quer se firmar – ou porque ainda não está no lugar que pretende, ou porque acabou de chegar nele. Pode até não ser a tibieza das personagens, mas é a de considerável parte do público que as venera. Assim, de certa forma, elas acabam canalizando anseios sociais. Explica-se.
O caminho mais fácil (e ilusório) para se ganhar dignidade em nossa sociedade é o dinheiro. Ilusório porque, no fundo, está se respeitando o dinheiro, não o seu proprietário. Por isso, não basta ter – é preciso ostentar. Até de maneira gritante. Mesmo que muitas vezes não se tenha condições para tal, mesmo que para tanto se atole em dívidas. E nossa pobreza – não exatamente a econômica – faz com que essa estratégia exibicionista funcione. Basta notar o sucesso que esse ingrediente obtém em telenovelas e, inclusive, em reality shows.  No fundo, trata-se de uma riqueza pobre. É só lembrar que os verdadeiros ricos, que já têm seu espaço garantido, não têm necessidade de exposição.
É útil mencionar um exemplo que reforça o que se está expondo. No final do ano passado, o filósofo Alain de Botton esteve no Brasil para divulgar seu livro, Religião para Ateus. Nascido na Suíça e residente na Inglaterra – dois países riquíssimos – ele ficou admirado com a ostentação da emergente São Paulo, onde encontrou pessoas que falavam com “naturalidade” que haviam acabado de chegar em seus helicópteros, um papo que ele nunca chegou a ouvir em Londres, cidade há séculos reconhecida como rica.
Não se está caindo na velha questão do conflito entre riqueza de berço e riqueza emergente, que remonta ao embate entre nobreza e burguesia do século XVIII ou antes e tão bem ilustrado na literatura romântica: a velha classe critica a falta de estirpe da nova classe e esta condena o jogo de pose daquela. Nenhum dos dois lados está certo. O que se está questionando é o sucesso que esse tipo de personagem esnobe e vilã obtém. Uma fama forçada. Banal. Fútil.
A ostentação de riqueza que tais personagens praticam atende aos anseios de setores sociais que por muito tempo andaram subjugados e que agora, por causa da ascensão econômica recentemente obtida, estão conquistando seu espaço. Mas ainda o fazem de forma insegura, o que revela a necessidade de “esfregar na cara” de todos o status que adquiriram. E, segundo estudiosos, há dois grupos que possuem integrantes (não se está falando de totalidade, mas de parcialidade) que mais se utilizam desse expediente: gays e negros. Do primeiro saem os que mais se identificam com o vídeo acima. Do segundo, os que mais se identificam com o tipo de produção como a do vídeo abaixo, o bling bling rap.
Com base em tudo o que foi exposto, analisando o clipe a seguir você seria capaz de identificar que mensagens estão nas entrelinhas e que provavelmente não fazem parte da intenção explícita de seu produtor?

sexta-feira, 6 de abril de 2012

Páscoa: para quê?




Em um mundo visto cada vez mais como secular, por que parar tudo pela Páscoa? Há embutidas nesse questionamento algumas considerações interessantes que revelam o desnorteamento de nossa sociedade. Talvez seja um sinal de que estamos tomando um novo rumo. Ou talvez seja um sinal de falta de rumo mesmo.
Inicialmente, o que se pode notar é que esse feriado é tão esperado porque simplesmente é um feriado. Muitos nem prestam a atenção no porquê de sua existência: vão para a praia, para o interior, ou simplesmente não vão para lugar nenhum, entregando-se ao dolce far niente. De uma forma ou de outra, fica a ideia da necessidade de um intervalo. Mas do quê?
Pelo que se vê na mídia, perdeu-se a noção da simbologia da Páscoa e da importância dessa pausa. O que se nota por aí é a preocupação com ovos de chocolate ou com o consumo de peixe. Mas não se entende o motivo. Há apenas uma entrega frenética a um consumismo sem questionamento. Eis o grande mal dos tempos atuais: a falta de questionamento. E se aproveitam dessa inércia intelectual, o que se nota pelo preço absurdo que o chocolate atinge nesses dias.
 Utilizemos então esse hiato para algumas reflexões. A começar, pensemos no ovo, o grande objeto do desejo dessa época. Sabe-se que ele carrega a ideia do nascimento, ou de renascimento, pois está ligado ao mistério da perpetuação da espécie. É a vida que se renova. Ou, se quisermos aproveitar um dos grandes fatos da Páscoa, que ressuscita. O reviver após a crucificação. O renascer após o sofrimento. O renascer como fruto do expurgamento. Daí a ideia de não se comer carne. De cumprir a Quaresma sem se entregar aos prazeres. Há que se preparar corpo e, principalmente, alma para esse ritual que é de libertação, alívio e elevação. Algo bem diferente do que temos hoje, em que a Páscoa virou apenas um feriado comercial.
Existe quem diga que esse esvaziamento místico é sinal de que vivemos tempos laicos. Assim, nada mais justo, pois, além de tudo, os próprios símbolos que estamos usando não são puros. A Páscoa é uma tradição antiquíssima do judaísmo e que não está ligada à crucificação de Cristo, mas à libertação do povo hebreu em relação ao cativeiro egípcio. O ovo é costume pagão. O chocolate era um alimento do México pré-colombiano. O próprio sofrimento seguido de renascimento remonta ao mito de Osíris. Mas esses são argumentos que só validam o feriado em que nos encontramos.
Os mitos, ritos e símbolos são importantes para o ser humano. Tanto que eles estão espalhados em toda a parte e, por mais diferentes que sejam, por mais díspares que sejam as civilizações que os criam, acabam guardando forte semelhança entre si, pois falam do mesmo elemento, que no fundo é igual em toda parte: o homem. E são a mais cabal característica que nos diferencia dos demais animais. Nós buscamos um sentido para nossa vida. Nem que seja simplesmente o encantamento, o maravilhamento de estar vivo. E tudo isso expressamos por meio de símbolos, ritos e mitos.
Assim, a Páscoa deve ser co-memorada (lembrada em conjunto, em união com os demais de nosso grupo) porque está ligada à necessidade constante de renovação, que só pode se dar após muita penação, muito sofrimento. Precisamos desse expurgo, para renascermos mais fortes.
Colocada nesses termos, a simbologia desse evento está constantemente presente em nossas vidas. E não importa se somos ou não cristãos. Sofremos horas e horas para passar em um exame vestibular. E depois para obter sucesso na carreira acadêmica. E depois na profissional. E sempre na busca por alguém que nos complete. Em suma, em todos os momentos de uma existência que quer aprimoramento e elevação. Que se quer humana.
Essa verdade tão bela e simples pode ser sentida na peça barroca acima apresentada. É o “Hallelujah”, trecho do Messias (1741), do inglês Handel. Nela se encontra a alegria festiva e gloriosa da constatação de que Jesus ressuscitou e, assim, reinará por todo o sempre. Não houve nessa obra, então, uma concentração no aspecto negativo da expurgação que culminou na crucificação, mas uma ênfase no lado positivo que é a convicção de que da dor surgirá a elevação.
Infelizmente, mergulhados que estamos em nossos compromissos, em cumprir nossa rotina, não prestamos atenção a essas pequeninas e grandiosas coisas que fazem o espetáculo da vida. É por isso que um evento como o do vídeo a seguir, um mob na praça de alimentação de um shopping estadunidense, torna-se algo tão gracioso de se ver, pois faz as pessoas acordarem para algo gracioso e sublime como a vida. Algo que deveria ser cotidiano.




domingo, 1 de abril de 2012

Paródia: Freemont x i30


Já está bastante claro que, para se compreender um texto, é necessário que se entenda que ele é feito de partes que, conectadas, acabam constituindo o seu significado. Além disso, é importante também observar o contexto no qual ele está inserido. Assim, o sentido se faz pela coerência, ou seja, pela relação harmoniosa entre os ingredientes que compõem o que estamos lendo ou escrevendo. Hoje, entretanto, lembraremos que muitas vezes a quebra dessa harmonia é que dá substância ao que estamos produzindo ou degustando. Mais especificamente, falaremos sobre paródia.
No vídeo acima, propaganda do Freemont, SUV da Fiat, imita-se o estilo pomposo dos comerciais dos veículos da Hyundai, como o do i30:


O comercial da Freemont retoma vários elementos do vídeo do i30: a voz sedutora do locutor, os closes que destacam um design fluído, a valorização de luxo e tecnologia e o vocabulário superlativo. Entretanto, quando no reclame da Fiat se descobre que se trata de um discurso grandioso para divulgar uma mera maçaneta, percebe-se que a sua intenção não é simplesmente reproduzir o estilo da montadora asiática. Muito pelo contrário, o objetivo é, com a mudança de tom, criar um efeito de humor depreciativo.
Deparamo-nos, portanto, com o que se classificou como paródia, ou seja, a imitação que não tem a intenção de homenagear, de enaltecer, como faz, por exemplo, uma banda cover. Muito menos sua proposta é efetuar um plágio, pois quem o faz torce para que não seja descoberta a fonte de onde se está copiando ideias ou estilo. Na verdade, o parodiador precisa que seu leitor reconheça os elementos em que ele se inspirou senão seu esforço criativo será inútil. Enfim, trata-se de um tipo de obra que reproduz os procedimentos de uma outra, mas com intenção satírica, jocosa graças à mudança do tom original.
Os procedimentos parodísticos sempre estiveram presentes em nossa cultura (já na Idade Média eram praticados), mas parecem ganhar bastante destaque atualmente. Há quem diga que é por causa da falta de conteúdo na inteligência mundial (nada mais há para ser criado...) ou porque vivemos em uma sociedade na qual é mais fácil desconstruir vampirescamente do que construir e enaltecer. De uma forma ou de outra, a paródia é um recurso válido, muitas vezes rico, e entender os seus mecanismos de funcionamento é bastante útil, principalmente para quem quer entender, por exemplo, a Literatura Brasileira, principalmente a que foi instituída a partir do Modernismo.
Assim, como simples exercício, O Magriço Cibernético pede que você analise os dois vídeos a seguir e diga por que eles podem ser considerados paródias.