quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"Perfeição", do Legião Urbana: Ironia

No post de 19 de janeiro de 2012 foi apresentado o vídeo “Ler devia ser proibido”, no qual se notou a utilização intensa de uma figura de linguagem: a ironia. Os comentários enviados tanto ao Facebook quanto ao Twitter a respeito daquela peça publicitária tornaram necessárias algumas observações sobre a manifestação lingüística em questão.
Para começar, ironia é o mecanismo de se dizer o contrário do que se está pensando. É um procedimento que não deve ser confundido, entretanto, com a mentira. Nesta, diz-se algo para encobrir completamente a verdade. Já naquela figura de linguagem ocorre um trabalho muito mais sofisticado, pois, ao mesmo tempo em que se esconde uma ideia, encontram-se pistas para que o sentido encoberto seja notado.
 No caso do vídeo “Ler devia ser proibido”, apresenta-se um conjunto de razões para que a leitura seja banida, mas todas elas destacam fatos positivos. O hábito em questão permite que o leitor adquira mais criticidade, criatividade, conscientização, em suma, se torne mais humano. Além disso, há uma sequência de fotos em que se associa a leitura a imagens felizes, muitas delas de vários ícones de nossa civilização: Martin Luther King, Einstein, Betinho, Dalai Lama. Assim, todo esse conjunto permite a percepção de que a verdadeira mensagem não é a defesa da proibição da leitura, mas a apologia a essa atividade.
Era importante, além disso, perceber que a propaganda em análise apresenta a ironia de uma forma diferente do rotineiro. O que mais se vê é essa figura empregada para intenções sarcásticas, depreciativas. Quando o narrador de Memórias Póstumas de Brás Cubas nos informa, por exemplo, que a cortesã Marcela o amou durante quinze meses e onze contos de réis, na verdade o que ele está designando como amor não passa de interesse material. Assim, a prostituta de luxo acaba por ser caracterizada negativamente. Em “Ler devia ser proibido”, entretanto, essa figura de linguagem é utilizada para destacar qualidades positivas.
É importante ressaltar, portanto, que a ironia é uma figura de linguagem que depende de um contexto. Daí o erro de uma questão do último vestibular da PUC-SP, na qual se entendia como irônica a fala do diretor do reformatório enderaçada a Pedro Bala, protagonista de Capitães da Areia, prometendo a regeneração do líder dos trombadinhas. Nada no contexto daquela cena permitia uma abordagem irônica, pois na cabeça do educador os castigos corporais eram vistos piamente como mecanismos pedagógicos válidos para “consertar” o comportamento do garoto. A frase só poderia ser classificada como irônica se na verdade o pedagogo não acreditasse no que considera como resgate moral do jovem.
Outro ponto importante que merece destaque é que a ironia é uma figura de linguagem sofisticada, como já se disse. Assim, ela só pode ser produzida por quem tem maturidade suficiente para enunciá-la e só pode ser dirigida a quem tem capacidade de entendê-la, do contrário ela acaba se tornando inútil. Isso justifica a dificuldade que O Magriço Cibernético teve de encontrar outro vídeo que exemplificasse esse mecanismo linguístico. No momento em que o nosso paladino quase entregou os pontos é que se deparou com o clipe da música “Perfeição”, do Legião Urbana. Nele, Renato Russo dispara uma sequência gigantesca de atitudes vis da espécie humana que ele afirma que precisam ser celebradas e comemoradas. Fica claro que a intenção do enunciador do texto é desancar uma crítica amarga à mediocridade do barro ruim de que é feito o homem. Nada melhor do que a ironia para atingir tal objetivo.
Em vista, portanto, de tudo o que foi exposto, propõe-se então um exercício simples: explique como é trabalhada a ironia no vídeo a seguir, do saudoso TV Pirata.

4 comentários:

  1. Delícia de texto; extremamente esclarecedor em uma linguagem acessível às nossas crianças, Laudemir. Parabéns !

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  2. Poxa, obrigado por seu nobres e bondosos elogios, Mestre Suricatte!

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  3. Adorei o blog e este texto em particular...Celia Mariani

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    1. Fico feliz por você ter gostado. Espero que você continue frequentando O Magriço e participando dele.

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