Assim que alguns alunos adquirem conhecimento crítico sobre o mecanismo de sucessão dos períodos literários, é comum surgir a seguinte pergunta: em que momento estético estamos agora? A resposta clássica deve dar conta da ideia de que tanto na Arte quanto na História é muito arriscado rotular as manifestações do presente. Qualquer apontamento que se fizer está certamente fadado a falhas e imprecisões. Entretanto, um termo já pode ser utilizado com segurança: minimalismo.
Surgido na pintura nos idos dos anos 50 do século XX (portanto, já está virando um senhor de idade), esse tipo de arte se espraiou por outras manifestações, tornando-se, de certa forma, um estilo orgânico, assim como o foram o Barroco, o Romantismo, o Realismo, o Modernismo. Caracteriza-se pela utilização de poucos constituintes, os elementos mínimos (daí a sua designação), empregados numa repetição intensa com pequenas alterações, ou numa estaticidade que se estende por toda a obra.
O vídeo acima, Piano Fase (2007), é bastante útil, pois permite visualizar o que se está dizendo. Nele, ouvimos a música de Steve Reich, um dos ícones dessa escola (assim como Philip Glass e Arvo Pärt). A reiteração intensa das notas musicais torna-se quase hipnótica. Entretanto, um degustador atento notará que há pequenas, mas marcantes mudanças. Repetição e variação se confundem. É o que também se vê na coreografia de Anne Teresa De Keersmaeker. As duas dançarinas fazem movimentos simples sincronizados que são refletidos em sombras atrás delas. O jogo de luz que foi montado forma um efeito bastante interessante. No lado externo das artistas a sombra é individual, mas entre elas há a junção das duas. Variação e unicidade: temas caríssimos do minimalismo.
Uma mente mais aberta irá perceber que essa técnica se espalhou, tornando-se a base da música eletrônica e seus congêneres constantes em raves e baladas: techno, house, trance, drum n’ bass... Mas há outros campos em que se manifesta, como no da já anunciada pintura. Basta ver o quadro a seguir, o Nº 5 (1962), de Ad Reinhardt.
Observe que, assim como na música e na dança anteriormente analisadas, a obra acima à primeira vista mostra um único elemento, uma imagem preta. Reduziu-se a arte pictórica à sua essência, a cor, sem que haja a preocupação de representação de alguma imagem do mundo exterior. Aliás, até a cor foi reduzida ao básico, o negro. Nada de subjetividade, nada de transcendência. Pura forma. Entretanto, mais uma vez, uma apreciação atenta perceberá que há pequenas variações da cor, estabelecendo uma cruz, não em seu sentido religioso, mas no da visualização do encontro de duas coordenadas espaciais essenciais: horizontalidade e verticalidade. Mais uma vez, o mínimo.
Esses ideais também estão presentes na literatura. Um exemplo clássico é o “Canção do Exílio Facilitada” (1973), de José Paulo Paes:
Lá?
Ah!
Sabiá...
Papá...
Maná...
Sofá...
Sinhá...
Cá?
Bah!
Nesse poema, as ideias do mítico “Canção do Exílio” (1843) de Gonçalves Dias são reduzidas à sua essência, indicada pela associação entre os advérbios de lugar e as interjeições que lhe são vizinhas. E eles ecoam a rima marcante do poema romântico, que, aliás, nesse texto moderno, é a única utilizada. Além disso, os substantivos (a classe gramatical mais elementar da língua portuguesa) servem apenas para indicar, de maneira sintética, a razão da primeira exclamação.
Tal concisão poemática também pode ser encontrada em outros integrantes da poesia contemporânea, destacando-se Paulo Leminski, que, com Paes, parecem influenciados pelo poema-pílula de Oswald de Andrade, assim como pelos haicais da cultura japonesa. Eis aí um bom caminho para o internauta enveredar para se divertir e se enriquecer sobejamente.
A impressão que fica, portanto, é a de que o minimalismo pode não ter sido o último ou muito menos o melhor estilo artístico contemporâneo, mas conseguiu cumprir com eficiência um dos papéis da arte, que é o de expressar os anseios de uma época. Em sua busca pela essência, eliminou o sujeito, o eu-lírico, as emoções. Paradoxalmente, acabou verbalizando de maneira bela o ethos de um mundo reduzido ao tecnicismo e pragmatismo. E como nos seduz!