domingo, 16 de dezembro de 2012

2012 - O que significa essa data apocalíptica?




No post passado, sobre A Confissão da Leoa (2012), de Mia Couto, discutiu-se que arte é confissão. Por meio dela a espécie humana exorciza seus males, o que quer dizer que tais nos são inerentes. Guimarães Rosa já dizia isso em Grande Sertão: Veredas (1956): “o diabo vige dentro do homem”. E um dos demônios que vez por outra vêm à tona é o apocalipse. Agora está na moda falar que essa catástrofe se dará no próximo 21 de dezembro, de acordo com supostas profecias do calendário maia. Até há, no entanto, quem fale que o fim dos tempos só se dará em 2016. Mas já se mencionara 2001, 2000, 1999. E isso não é de hoje. Perto do ano 1000 essas preocupações já haviam vindo à baila. Há, portanto, datas de baciada, num amplo catálogo a atender o gosto do freguês.
      Mas, ao invés de apenas se entregar a essa sanha sadomasoquista e mercadológica ou simplesmente negá-la, devemos analisá-la. E uma maneira interessante de entendê-la pode se dar por meio de alguns blockbusters. Se nos basearmos em Jung, poderemos notar que essas subproduções intelectuais são tão capazes de expressar a nossa alma quanto o são estudos filosóficos, sociológicos e antropológicos. Devemos, pois, olhar para esses filmes e tentar entender por que nos atraem tanto.



          Enfim, quando observamos alguns arrasa-quarteirões que desenvolveram o tema do final dos tempos – Independence Day (1996), Armageddon (1998), Impacto Profundo (1998), O Dia Depois de Amanhã (2004), Guerra dos Mundos (2005), Cloverfield (2008), 2012 (2009), A Batalha de Los Angeles (2011), além da trilogia O Exterminador do Futuro (1984, 1991, 2003) – algumas comparações eclodem. De um lado estão os que mostram que a destruição virá por fatores externos, do qual não temos culpa (películas 1, 2, 3, 5, 6 e 8). Ou será que são repetições da ideia bíblica de que a iniquidade de Jerusalém foi castigada pelo envio por meio da vontade do Senhor de elementos exógenos? Do outro lado estão os que claramente imputam a nós alguma responsabilidade (4 e 7, além da trilogia). Mas, apesar dessa diferença, um ponto eles têm em comum: lidam com relações humanas desmanteladas. Impacto Profundo é inigualável nesse ponto, mas Cloverfield também chama a atenção, pois perpassa sua trama um caso afetivo mal resolvido. Já A Batalha de Los Angeles é tão realista na maneira como mostra esse tema que nem o notamos, de tão entranhado que ele fica no cotidiano.



         Qual a mensagem? Parece ser a de que, em nossa correria, não prestamos atenção ao que realmente importa, que é o contato humano. Para que viver, se não para conviver, e intensamente, com os outros? Mas concentrar-se nesse ponto é reduzir o aspecto mítico da abordagem. Na verdade, o que a obsessão pelo apocalipse revela é que estamos fazendo tudo errado e precisamos desesperadamente corrigir isso.
É aqui que se toca em um ponto interessante. Todo mito apocalíptico traz dentro de si um mito soteriológico, ou seja, que fala de salvação. Estamos mais é voltados para “o dia depois de amanhã”. Não é à toa que a nave de Impacto Profundo se chama Messiah, que é o nome do salvador. Ou que haja verdadeiras arcas de Noé em 2012. Queremos uma ressurreição. Queremos uma nova vida. É por isso que se pode encaixar nessa lista um filme que aparentemente não tem ligação com o tema apocalíptico-soteriológico: Titanic (1997).



         James Cameron, ao narrar o desastre de um navio que nem Deus poderia afundar – como foi dito assim que o artefato tecnológico saía de Southampton –, acabou fazendo um filme que verbalizou o nosso zeitgeist, o espírito de nosso tempo. Temos medo de que nosso hipercontrolado cotidiano – sim, tornamo-nos infelizes e acomodados seres dependentes da rotina – seja inútil, pois não nos afasta de perigosos icebergues: crises econômicas, perda de emprego e qualidade de vida. O que esse blockbuster nos mostra é que o que nos aterroriza não é exatamente o fim do mundo, mas o desmantelamento da sociedade tal qual conhecemos e com a qual já estamos largamente acostumados.
Todas as considerações aqui expostas permitem entender que Titanic representa um anseio de nossos tempos. Rose, na verdade, somos nós. Como ela, somos vítimas de imposições, não apenas da mãe e do noivo. Mas o surgimento de Jack representa o desejo de outro esquema de vida. Anseio escapista, é verdade, mas positivo. Anseio que afundou, mas foi o suficiente para dar um impulso para uma nova existência.
O que todos esses filmes revelam, portanto, é que a espécie humana sabe, ainda que de forma inconsciente, que precisa mudar, construir uma nova forma de vida, uma nova sociedade. Há muito ainda que ser feito. Mas o que já se tem é valioso. Indubitavelmente. O que é bom.

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11 comentários:

  1. Catastrofes criam sentimentos profundos entre as pessoas.

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    1. Muito bem observado. Mas não se esqueça que ainda não ocorreram as catástrofes apresentadas nos filmes. Então não é só a catástrofe que cria esses sentimentos - a possibilidade também.

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  2. É engraçado...hoje achamos mais fácil o mundo acabar, do que acontecer uma revolução política que acabe com o sistema capitalista.

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    1. Concordo plenamente. E essa era uma ideia que eu queria ter apresentado, mas não consegui espaço no post para isso. Que bom que você a comentou! Obrigado.

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  3. Isso porque ainda nao inventaram nenhum outro sistema melhor.
    O socialismo nao funciona.

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    1. Não sei se é o socialismo que não funciona ou o homem que não funciona. Se nenhum sistema funciona ou se é o homem que não funciona...

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  4. Na verdade, se a gente tratar os Regimes Socialistas como experimentos científicos, a Prática - o Socialismo - falhou em demonstrar veracidade da Teoria, sendo assim, diz-se que o Socialismo não funciona. E segundo alguns estudiosos em Economia, a própria Terceira Via foi responsável pela Grande Depressão nos EUA. Muitos autores da Escola Austríaca refutaram o Marxismo, o que não quer dizer muito, já que atualmente ele se encontra enraizado na própria cultura brasileira. Algo que é comum a quase todos os filmes sobre é essa renovação. Em algum ponto a Humanidade fracassou, e o fim é a oportunidade de recomeçar, de iniciar um novo ciclo. Daí dizerem que o Socialismo de fato nunca existiu. Em algum ponto o esse sistema fracassou, e dizer que o Homem não funciona seria uma forma de iniciar um novo ciclo para o Socialismo.

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    1. Interessantes suas ideias. Instigaram-me a procurar saber mais sobre a escola austríaca. Obrigado pela contribuição.

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  5. É o socialismo que nao funciona porque é uma ditadura que só ira servir pra oprimir as pessoas, o jornalista Olavo de Carvalho disse que os captalisdo dos eua sao os que mais investem no socialismo. Olha o video ele é professor da usp e se formou tb em filosofia

    http://www.youtube.com/watch?v=cjbqN-ZnvZY

    http://www.youtube.com/watch?v=4BFJTFtRY2E

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  6. Muito bom, amei o post, gostaria de relembrar um dos meus filmes favoritos que invadem esse tema apocalíptico:
    Filhos da Esperança (Children of Men) 2006 que deixa claro uma ideia de "fim de mundo" não como "mundo" mas como fim do mal do mundo - o homem - e o mais incrível é que o filme dos deixa uma dúvida constante "A culpa da infertilidade humana trata-se de uma resposta divina, da natureza, ou causa do próprio homem?"
    Sem dúvida um filme inteligente, e que nos faz refletir sobre nossas ações!

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