domingo, 4 de novembro de 2012

Amadeus: Salieri x Mozart, Sucesso x Qualidade




Apesar de ter estreado em 1984, Amadeus, dirigido por Milos Forman, é uma das melhores produções que Hollywood já apresentou. Mas em que está seu valor? Há quem ache suficiente para responder tal pergunta o fato de esse filme ter recebido oito Oscar. Entretanto, não se deve imaginar que é óbvia a relação entre essa premiação e a qualidade de uma obra cinematográfica. Basta olhar para dois exemplos da época: Laços de Ternura (1983) obteve cinco estatuetas e Carruagens de Fogo (1981), quatro. Hoje entraram para a lista dos esquecíveis. Ou então, é suficiente observar algo mais recente: o superficial Titanic (1997) chegou a arrebatar onze, o que é a prova mais gritante de que o juízo da Academia nem sempre é confiável, pois profundidade na narrativa de James Cameron foi legada só ao navio.
Enfim, o que há de bom nessa peça de Milos Forman? Não se vai mencionar a espirituosidade dos diálogos, tampouco a alta casta da interpretação, principalmente de F. Murray Abraham, que consegue atuar apenas com o olhar. Tudo isso já seria suficiente como incentivo para se degustar essa obra-prima. Vai-se caçar aqui outro elemento, a tornar a fita ímpar. Mas, qual? 
Pode-se então pensar que a força de Amadeus está na primorosíssima trilha sonora, mas O Mestre da Música (1988) e Minha Amada Imortal (1994) também são caprichados nesse aspecto e não atingiram o mesmo feito daquele filme. Para complicar mais nossas reflexões, o primeiro e o terceiro filme são adaptações livres da biografias de grandes músicos, respectivamente Mozart e Beethoven. E, segundo alguns especialistas, este é superior àquele. Ainda assim, a maior relevância não foi suficiente para colocar o filme do pré-romântico acima do do clássico.
Na verdade, a pujança da narrativa de Forman está na construção. Há um capricho com figurino, cenografia, iluminação (os ambientes fechados contaram apenas com velas), tudo para manter fidelidade à época. Até a música foi gravada respeitando as partituras de Mozart, e tudo executado pela Academy of St. Martin in the Fields, sob a regência de Neville Mariner. O cuidado chegou ao ponto de parte da história ser gravada nas ruas de Praga, que se mantivera semelhante à Viena do século XVIII. Até as cenas de Don Giovanni foram tomadas no teatro em que essa ópera fora encenada no momento de sua estreia.
Entretanto, é em outro plano de construção que Amadeus chama a atenção, sendo um excelente exemplo de metalinguagem. Célebre é a cena em que o invejoso Salieri (interpretado pelo já citado Abraham) descreve a Serenata K 361, “Gran Partita”, de Mozart:


Outro exemplo maravilhoso é a confecção do “Confutatis Maledictis”, do Réquiem K. 626:


Nesse ponto, o filme é uma aula introdutória à música, mostrando-nos do que essa arte é feita e como é criada. Ela é como que materializada à nossa frente – e quem, diante dessas cenas, não sente vontade de aprender essas técnicas para também passar a compor?
Entretanto, a metalinguagem do filme se mostra mais poderosa quando voltada para a produção artística em geral. Para tanto, basta notar a lição que se passa no embate entre Salieri e Mozart. Nele aprendemos que talento e qualidade estética têm um quê de gratuidade, não dependendo de vontade ou de intenções nobres (pátria, religião) ou venais (bilheteria, fama). Vemos também que nem sempre os premiados são os melhores: Salieri, cheio de medalhas, viu sua música perecer e a do menosprezado Mozart sobreviver. É o que nos faz levantar a pergunta: que critério levar em conta para julgar a Arte? A opinião dos especialistas? A movimentação do mercado? O gosto do público? Os vaticínios da crítica? O índice de premiações? O apego às regras? O conceito dos próprios artistas?
Todas essas reflexões ainda são bastante atuais, o que faz com que, passados 28 anos, Amadeus seja uma obra ainda validade, atemporal. Um clássico. É, portanto, vital apreciá-lo em tê-lo em nosso repertório cultural.


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2 comentários:

  1. Muito boa descrição deste filme maravilhoso!

    As obras do Mozart são singulares, os concertos para piano dele são coisas absurdas, muito arrojadas, dá para saber que mesmo com milhares de notas, cada uma delas foi trabalhada e merece estar naquele exato momento.

    Mesmo assim, ele não é obcecado pela forma e estrutura que nem o "parnasiano" barroco Bach, deixando a emoção fluir em certos momentos. Eu acho que um dos grandes feitos dele foi ter conseguindo unir os dois, sem um eliminar o outro.

    Abraços.

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    1. Você tem razão. Mozart é magnífico, não? E o filme está à altura dele, não?

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