domingo, 21 de outubro de 2012

Scooby Doo, Teletubbies, Bob Esponja e os perigos dos exageros de interpretação



Várias vezes foi discutido aqui nO Magriço Cibernético que um texto é feito da relação que seus ingredientes estabelecem entre si, garantindo seu sentido. A falta dessa conexão ou estabelece uma incoerência, que pode comprometer a eficiência da mensagem (post de 1º de março de 2012), ou cria um efeito estético bastante interessante de dissonância (post de 03 de março de 2012), servindo como realce de ideia. Nesse sentido, a interpretação tem que prestar atenção aos diferentes elementos que compõem o conjunto, até mesmo seu feitio. É por isso que “Construção”, de Chico Buarque, é uma excelente composição, pois forma e conteúdo estão bem integrados (post de 05 de agosto de 2012). É por isso, também, que a análise que o historiador Ademir Luiz fez de Chaves (post de 30 de setembro de 2012) falhou porque não levou em conta que o veículo em que esse programa se manifestava, uma série humorística, determinou a repetição de elementos – o que compromete a tese de que a recorrência de cenas fosse uma manifestação dos castigos do inferno.


O respeito a todos esses requisitos garante o bom senso na intelecção textual, evitando, assim, um vício típico de quem se apaixona pela análise de textos, conhecido como over-interpretation, ou seja, a interpretação excessiva, desmedida. Tal pode ser visto não só no referente estudo sobre Chaves. Vemo-lo também, por exemplo, na ideia de que Velma, de Scooby Doo, seria lésbica, ou que o Salsicha, do mesmo infantil, seria maconheiro, o que faria de sua constante fome uma manifestação da “larica”. Para isso ser verdade, outros elementos da animação deveriam referendar essa hipótese – o que não acontece.


O mesmo problema de intelecção ocorreu com Teletubbies, que sofreu o ataque de uma cruzada conservadora que achava que Tinky Winky incentivava a homossexualidade nas crianças somente porque é roxo e possui um triângulo na cabeça. Sabe-se que essa cor e essa forma geométrica são elementos muito usados pelo Gay Pride. Entretanto, aquele programa da BBC foi produzido para bebês e crianças pré-escolares (é notável como a forma da barriga dessas personagens sugere o seu público) para apresentar elementos do cotidiano dessa faixa etária, e entre eles não se encontra a questão da sexualidade. Há bebê homossexual? Há bebê heterossexual? E, aliás, qual o problema de apresentar um homossexual ou heterossexual a um infante?
Bob Esponja Calça Quadrada também foi vítima dessa sanha, pois houve quem afirmasse que o protagonista e seu inseparável amigo Patrick Estrela teriam um relacionamento homossexual. Um despropósito, pois se trata apenas de um desenho com a intenção de retratar o universo dos pré-adolescentes, reforçando a necessidade do convívio social para o desenvolvimento do caráter e o enfrentamento dos desafios da vida. O próprio autor, Stephen Hillenburg, repudiou essa interpretação, mas de forma muito bem humorada brincou com ela em Bob Esponja, o Filme (2004), principalmente ao fazer Patrick usar botas pretas de cano alto brilhantes e uma meia-calça arrastão.


 Não se está proibindo, entretanto, que se façam novas leituras de textos consagrados. Às vezes esses novos olhares lançam novos sentidos que acabam por dar novos sabores, novos coloridos às obras que estamos degustando. É o que acontece com Caverna do Dragão. Por um bom tempo circulou pela rede uma teoria de que os jovens que estariam presos no Reino na verdade já estariam mortos, vítimas de um acidente na montanha russa em que estavam. É por isso que, toda vez que encontravam uma chance para saírem do lugar em que se encontravam, algo os impedia, principalmente Uni. Não se pode voltar do reino dos mortos.
Enfim, a leitura de um texto precisa ser regada, como se disse, como boa dose de bom senso, que saberá separar os exageros de interpretação dos verdadeiros achados de significado. É como se tudo fosse uma questão de sobrancelhas. Elas serão erguidas quando aquela novidade fizer sentido, for coerente. Elas serão baixadas, franzidas quando se tratar de bobagem.

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10 comentários:

  1. Muito bacana a análise Lau... Quando vejo uma crítica como essas citadas me vem logo a cabeça os clipes da Lady Gaga! hahahahaha

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  2. Esse fenômeno não ocorre, pelo menos um pouco, ao fazermos a análise de um poema? Como podemos saber o que o Eu lírico pensa apenas lendo o texto?

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    1. Pergunta muito pertinente. Eu também, às vezes, não sei se o que eu depreendi de um texto literário, por exemplo, está 100% condizente com o que, de fato, o autor quis passar. Em muitos casos, há a necessidade de entender o contexto histórico na qual a obra está inserida para que haja uma "melhor" interpretação. Não só isso, também é preciso relacionar textos de outros autores para que se tenha mais clareza sobre o assunto, ou até mesmo visitar outros lugares, a fim de "enxergar" uma determinada imagem mais nítida posta pelo autor, como é o que acontece em "Viagens na minha terra" de Almeida Garret. Realmente, a arte é algo de múltiplas interpretações. Sendo assim, é meio difícil não desviar da ideia principal proposta.

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    2. Como eu disse acima, meus caros, o que garante que uma interpretação não será desmedida é o fato de que ela se baseia em outros elementos dentro do texto. Apenas isso. Se o conjunto de ingredientes fizer um todo coerente, então a análise fará sentido.

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    3. Obrigada pela dica, professor!:)

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  3. Eu imagino que não seja exatamente o que se espera ver em um blog como este, mas, prá quem quiser, aí vai o VERDADEIRO final de "Caverna do Dragão"...
    http://www.youtube.com/watch?v=g8sMBT0JS5o&feature=share

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  4. EXCELENTE,ja li o livro sobre os contos de fadas,e realmente é ótimo,gostei da análise dos desenhos,a primeira vez que ouvi falar dessas interpretações foi na 1 aula do Ricardo Coruja,e realmente faz todo o sentido (bem diferente daquela do Chaves).Faltou alguns desenhos que para mim foram as melhores interpretações já feitas: O Patolino ter indícios de esquizofrenia e os Smurfs serem comunistas.Excelente post Lau

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    1. Não havia pensado no Patolino como esquizofrênico. Preciso rever o desenho para confirmar ou refutar essa ideia. Quanto aos Smurfs, acho descabida a associação ao comunismo. São uma comunidade primitiva, pré-capitalista. O comunismo é visto como uma evolução, não involução. Ou será que existe algo de comunismo que eu não enxerguei?

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  5. SMURF: Socialist Men Under Red Father
    Os Smurfs trabalham em conjunto, todos usam as mesmas roupas (igualdade) e são comandados pelo "Papai Smurf", que usa calça vermelha e tem uma longa barba (possível alusão ao Marx). O Smurf que discorda das opiniões é expulso da aldeia no final de todos os episódios pode representar o Trotsky.

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