quarta-feira, 26 de setembro de 2012

O Cortiço e o Naturalismo



Típico cortiço do Rio de Janeiro no final do séc. XIX.
Foto de autoria desconhecida.

Publicado em 1890, O Cortiço, de Aluísio Azevedo, garantiu de imediato a boa consideração do público e da crítica, sendo visto até hoje como o mais bem acabado exemplar do Naturalismo no Brasil. Esse mérito é bastante justo, pois é fruto do esforço do autor por atingir esse objetivo, já que chegou inclusive a frequentar disfarçadamente os locais em que indivíduos da classe baixa – tipo predominante nesse romance – se encontravam.
Essa atitude de observar in loco o material que iria fazer parte de sua obra revela a preocupação que os naturalistas tinham de adotar os métodos científicos na construção de suas obras. Deve-se lembrar que tais escritores se achavam cientistas da natureza, do comportamento humano. Por isso o tratamento do texto como se fosse um documento, com o consequente acúmulo de detalhes descritivos, a abordagem imparcial, objetiva e a visão materialista. Dessa forma, as diferentes personagens são como ratos que estão sendo estudados em um imenso laboratório que é a estalagem de João Romão. Vemos, por exemplo, como a compulsão de Marciana por limpeza – sua casa estava sempre úmida de tanto que a tinha lavada – termina por dar no surto psicótico em que mergulha, enlouquecendo por ter a filha desonrada.
Entretanto, com o advento da Psicologia como a ciência mais adequada para a análise do caráter humano, o Naturalismo acaba perdendo seu posto. Ainda assim, O Cortiço continua sendo uma obra que atrai um considerável número de leitores. O que explica esse fenômeno? Parece que de alguma forma o passar do tempo permitiu que os valores típicos da época e do estilo literário fossem decantados, permitindo vir à tona o que esse romance tem de precioso. Não se está negando sua filiação ao cânone naturalista. Está-se, isso sim, defendendo a tese de que esse livro é mais do que os ditames dessa estética.
Um dos aspectos que chamam a atenção na grande obra de Aluísio Azevedo é a apresentação, sem mistificação, da vida em sua vitalidade. É a energia primitiva, muito bem representada na expressão do narrador como a força de machos e fêmeas no prazer animal de existir. Vemo-la em duas personagens, que a princípio seguem os mesmos caminhos, pois são fruto da mesma raça, do mesmo meio, do mesmo momento histórico. Entretanto, é com eles que o autor põe por terra a onipotência do Determinismo a explicar e comandar o destino do humano. Em algum momento da vida dessas personagens haverá uma bifurcação, o que fará com que sigam caminhos completamente antagônicos. Trata-se de Jerônimo e João Romão.
O primeiro português é trabalhador, forte como um touro, poupador, com potencial para a evolução, tanto que mantém a filha em um colégio interno, garantia de um futuro melhor. Entretanto, apaixonado por nossa terra, mostra-se vulnerável ao meio, o que o fará vítima da sedução de Rita Baiana. Unido a ela – ou seja, vencido –, torna-se um fraco: vira alcoólatra, perde a força para o trabalho, endivida-se, abandona mulher e filha. A maior crueldade aí talvez seja o fato de a menina ser desligada da escola, tendo, portanto, anuladas suas chances de desenvolvimento por meio da educação. Em suma, Jerônimo involui.
O segundo português é também trabalhador (mas nada honrado), poupador e com potencial de evolução. Todavia, não se mostra vulnerável ao meio em que se encontra. Ao contrário, submete-o à sua vontade. Sua companheira, Bertoleza, é sua amante, mas não é sua paixão. É apenas um objeto, uma máquina para satisfazer suas necessidades na venda e na cama. O mesmo impulso utilitarista o norteará na relação com os moradores do cortiço: serão peças úteis na ascensão econômica e depois social, que se dará com a entrada na família do nobre Miranda.
Enfim, com a apresentação desses dois casos percebemos que O Cortiço em alguns momentos é mais do que um romance esquemático que se limita a respeitar as leis do Naturalismo. Ele tem um lado humano, pois, mesmo que não lide com personagens de carne e osso, mostra impulsos que existem dentro de todos nós, seja a força que temos para a evolução, mesmo que esta se circunscreva apenas ao aspecto pecuniário, seja a que temos para a involução. É por isso que sua leitura é prazerosa.

4 comentários:

  1. Ótima analise professor, parabéns!O Cortiço tem uma leitura prazerosa pelo fato de estampar a realidade da época, além de certos aspectos que ainda prevalecerem na sociedade atual, como por exemplo, os cortiços daquela época infelizmente são os barracos da atualidade,falando sobre a observação in loco,acredito, não sei se é equivoco meu, foi um dos recursos que Jorge Amado usou para estudar as crianças de Capitães de areia?O autor em minha opinião fazendo esse estilo de pesquisa de campo deixa o livro mais próximo da realidade de seu leitor, pelo que li dos livros da FUVEST desde o ano passado são escolhidos obras que alem de demonstrar aspectos da escola literária da época, criticam, contam características dos lugares, historias, diferentemente dos grandes Best-sellers da atualidade (mundo de vampiros), que critica tem isso? Pois bem, voltando ao cortiço, é interessante observar que não houve cortiços somente no Brasil a Inglaterra do século XVIII era infestada dos mesmos, porem nosso país com sua eficaz distribuição de renda (AVA!) cultiva cortiços, grande obra do Aluisio, e belo texto Laudemir =)

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  2. 1. É muito gostoso ler um livro em que a gente consiga fazer uma ponte com o mundo em que vivemos. Mas é também gostoso ler livros que não tenham nada a ver com o mundo em que nos encontramos. O que vale é que o livro seja bom.
    2. Não sei se Capitães da Areia foi feito graças a uma pesquisa in loco.
    3. De fato, a FUVEST se pauta por cobrar livros que vão além das características das escolas literárias em que estão inseridos. Não é à toa que boa parte deles é de livros que fogem das características rígidas dos períodos literários a que pertencem.
    4. O Cortiço em alguns pontos é comparado com uma obra do Naturalismo francês que também falava de um cortiço.
    5. Obrigado por acessar O Magriço Cibernético. Espero mais de suas participações!

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  3. A "febre de possuir", portanto, é mais poderosa que o Determinismo. Mas já sabemos disso.

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