domingo, 26 de fevereiro de 2012

Propaganda do Jaguar - mais considerações sobre texto

Para reforçar o que foi apresentado em um post anterior sobre os elementos que constituem um texto, apresenta-se aqui uma propaganda lindíssima (beleza nem sempre é sinal de bom caráter) feita para reerguer a marca Jaguar e que causou polêmica por ostentar valores que muitos apreciam, mas poucos têm atualmente a coragem de confessar – em geral somente os que são ricos de dinheiro e pobres de espírito, que infelizmente ainda fazem muito sucesso na grande mídia.
O primeiro ingrediente que surge nesse comercial é a música, com toques delicados que criam um clima feérico e onírico, remetendo com eficiência à felicidade atribuída à infância. Assim, associam-se todas essas imagens agradáveis ao carro, apresentado como o veículo dos sonhos.
Ao fundo também do comercial ouve-se a voz nobre de um homem que nos descreve as maravilhas de se ser deslumbrante (gorgeous). Quem é deslumbrante merece atenção imediata, quem é deslumbrante faz o esforço parecer sem esforço, quem é deslumbrante fica acordado até tarde e ainda fica deslumbrante, quem é deslumbrante não tem amor à lógica, todos se importam com o que dito por alguém deslumbrante, quem é deslumbrante consegue entrar em qualquer lugar, quem é deslumbrante não consegue ser comum mesmo quando tenta, quem é deslumbrante não se preocupa com o que os outros estão fazendo, quem é deslumbrante nasceu desse jeito, quem é deslumbrante supera tudo. Por fim, vale a pena ser deslumbrante.
Como se vê, o termo gorgeous é dito de forma tão constante que acaba se tornando a marca registrada desse comercial. E a sacada inteligente dessa propaganda é unir a mensagem à música, fazendo com que se crie a ideia de que o grande sonho, que nos restitui à tão desejada felicidade perdida, é ser deslumbrante.
O problema é que se trata de um comercial de automóvel. E o que ele está tentando nos dizer? Se alguém quiser ser deslumbrante, basta possuir um Jaguar. É uma afirmação que não sobrevive por dez segundos ao crivo de uma análise racional. Entretanto, a racionalidade não é um dote plenamente utilizado pelos humanos. Ciente disso, a publicidade despreza questões racionais e atua sobre o inconsciente do seu público. É o que a propaganda aqui analisada confirma. Tanto que ela vai utilizar intensamente esse tipo de associação.
Para confirmar o que se está dizendo, é importante notar que pouco se vê e se fala do carro em si. Qual seu consumo? Potência? Autonomia? Segurança? Quantos airbags? Tem computador de bordo? Vai de 0 a 100 km/h em quantos segundos? Nada disso. O que interessa é mostrar iate, festa, helicóptero, ostentação de luxo e felicidade. É mostrar que não se perde o glamour após uma noite de sono. É mostrar modelo de braços abertos como um pássaro (curiosa e inteligentemente uma andorinha aparece logo após essa cena), um gesto que se repete no cabelo, vestido e folhas de planta esvoaçantes ao vento. É um jogo de metáforas e comparações que mostra a conquista de um grande sonho: voar. E poder voar é ter poder.
Portanto, a ligação de todos esses elementos produz um texto, pois eles, no conjunto, passam um sentido, uma mensagem: possuir um Jaguar é ser deslumbrante, e ser deslumbrante é ser poderoso. É ser feliz.
P.S.: A Jaguar, talvez por causa da polêmica causada pela propaganda apresentada, lançou algum tempo depois outra, que por fim mostra bem mais as qualidades de seu automóvel. Entretanto, ela continua se utilizando das técnicas típicas da publicidade. Você consegue detectá-las e dizer que mensagem esse texto passa? Ei-lo:

4 comentários:

  1. A propaganda inicia-se com o carro passando em alta velocidade, com o som típico de 'carros da Fórmula 1', deixando implícita a ideia de potência.
    A narração com voz grave, estilo Morgan Freeman, contrastada com o dedilhar mais agudo de um instrumento de cordas que depois se une com batidas ritmadas, característica similar a que fora apresentada no comercial 'Gorgeous', utilizando-se a voz com a música.
    Repetição enfática, característica da linguagem conativa, no começo de cada frase, com a construção 'This is...'; passando imagens de algumas funções do automóvel, dando ideia de alta tecnologia, pelo design e pelo destaque no painel frontal, o qual nos remete a ideia de um cockpit de uma nave espacial futurista dos filmes de Ficção Científica.
    Terminando com o ultimato de 'que este não é como nenhum carro que você já viu, porque ninguém nunca pensou em um carro dessa forma'. Também com imagens de luzes no mesmo, dando ideia de alta velocidade...
    E, finalmente, recobrando o início da propaganda, falando sobre 'diferentes e nunca antes viajadas estradas' e 'o impressionante resultado por ter-se tomado um caminho totalmente diferente'.

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  2. Parabéns, Winster. Você viu coisas que eu não havia visto, como a relação com ficção científica ou a com Fórmula 1. Parabéns!

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  3. Os recursos utilizados pela nossa mídia infelizmente caminham em um sentido degradativo e pobre. Reflexos de uma sociedade cada vez menos reflevixa, pensante ou "racional" no sentido restrito da palavra. Esses problemas ainda perpassam outros setores da nossa sociedade, e demonstram ainda mais estas fragilidades enfrentedas pelo nosso sistema educacional, político, etc. Esta pobreza ou superficialidade, automoatizada e facilmente proliferada pelos meios digitais, ao mesmo tempo que se configura como ótimas ferramentas de inserção no caráter "globalizado", se demonstram fúteis, banais e diminuidas a cada dia. Triste ou não, o que nos resta é continuar refletindo! Parabéns pelas belas observações!

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  4. Eu é que dou os parabéns à beleza e justeza de suas reflexões, Rodolfo!

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