domingo, 10 de março de 2013

A propósito do tsunami no Japão - lições de análise de textos

Em vários momentos foi dito aqui nO Magriço Cibernético, e mais vezes terá de ser dito (pois se trata de um conceito importantíssimo), que o sentido de um texto é garantido pela ligação entre os elementos que o compõem. É também vital lembrar que o seu significado também é garantido pelo contexto em que está inserido, como foi visto no post de 08 de março de 2012. Nota-se, portanto, que uma leitura e uma redação eficientes só são possíveis graças à atenção que se dá a elementos intra e extratextuais. Assim, evitam-se problemas como os demonstrados nos posts de 01 de março de 2012, 21 e 24 de outubro de 2012. É também essencial observar a forma em que a mensagem se apresenta, do contrário também ocorrerão erros de interpretação, como identificado no post de 30 de setembro de 2012, em que se viu que a repetição de ações em Chaves não é forma de representação do inferno, mas algo comum a um seriado humorístico. Tudo isso deveria ter sido levado em conta para evitar o escândalo que se levantou contra a charge acima, de João Montanaro, publicada na Folha de S. Paulo em 12 de março de 2011.
Em 11 de março daquele ano o Japão foi vítima de um tsunami, catástrofe que provocou comoção mundial. No dia seguinte, o jovem chargista, então com 14 anos, apresentou no maior jornal do país sua visão sobre essa grande tragédia. A grita foi intensa, pois muitos leitores viram como falta de respeito o humor que estaria sendo feito em cima da imensa dor dos outros. A febre do politicamente correto tinha feito mais uma vítima.
Na verdade, a preocupação com o respeito alheio, que inspirou o fenômeno PC, é bastante louvável, pois tem como intenção evitar manifestações negativas muitas vezes baseadas em mero preconceito. Entretanto, ela parece estar sendo acometida do que deveria combater, que é o próprio preconceito, que se alimenta de ignorância. Em primeiro lugar, onde está o humor na charge em questão? E quem falou que charge necessariamente tem de ter conteúdo humorístico? Nota-se, portanto, o que já foi abordado no post de 11 de março de 2012: vivemos tempos sombrios, em que as trevas estão dando voz e poder a quem não tem razão. Portanto, aclaremos a situação.
O termo charge vem do francês e significa “carga”. Possui a ideia de algo que recebeu uma carga, um peso. Em outras palavras, é um desenho carregado, ou seja, em que se manifesta um exagero. De fato, muitas vezes a hipérbole pode produzir um efeito engraçado, o que se tornou bastante comum no tipo de publicação em análise. Entretanto, basta estudar a poesia para perceber que a sobrecarga linguística também pode expressar uma comoção fortíssima, o que é coerente com a presente obra de Montanaro.
Quando se tem noção de todos esses elementos, torna-se espantoso como um adolescente tenha dado um olé cultural em muito adulto que lhe atirou pedra. E para piorar esse contraste, basta lembrar que a fonte de inspiração desse jovem, já indicada no título de sua obra, foi uma xilogravura japonesa do século XIX, de autoria de Katsushika Hokusai (1760?-1849), japresentada a seguir:


O confronto entre essas duas ilustrações possibilita perceber uma valorização da força do povo japonês, capaz de enfrentar inúmeros obstáculos da Natureza e vencê-los. Basta lembrar que um arquipélago tão pequeno, pobre em recursos minerais, é uma das maiores economias do planeta. Ou notar que dois anos depois da tragédia do tsunami, que trouxe até temerosas consequências nucleares, essa nação está praticamente pujante e refeita. Ou ainda – e talvez principalmente – a consciência da pequenez do homem diante das condições em que vive, como dizia Camões em Os Lusíadas (1572):

No mar tanta tormenta e tanto dano
Tantas vezes a morte apercebida;
Na terra tanta guerra, tanto engano,
Tanta necessidade aborrecida!
Onde pode acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura a curta vida
Que não se arme e indigne o Céu sereno
Contra um bicho da terra tão pequeno?

Enfim, muita coisa pode ser inferida, menos uma preocupação em tirar graça do padecimento alheio. Quem foi capaz de enxergar isso, ignorou regras básicas de interpretação de texto, como as arroladas no primeiro parágrafo deste post.

2 comentários:

  1. Confesso a você professor que seu blog de nada me era interessante até algum tempo atrás, não por falta de conteúdo - óbviamente - mas por alienação de minha parte. Ao lê-lo com mais paciência analisando todos os comentários e ideias implícitas (muitas vezes imperceptíveis aos olhos dos jovens ou menos estudados) por você expostos creio ter encontrado enfim algo muito mais interessante para fazer do que passar tardes assistindo vídeo-aulas ou apenas "fazendo hora" pela rede. Estou ansioso por mais um post - não menos magnífico, creio eu - que está por vir este domingo. Abraço de um Biolóide!

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