domingo, 27 de maio de 2012

Minimalismo: o último grande estilo?


Assim que alguns alunos adquirem conhecimento crítico sobre o mecanismo de sucessão dos períodos literários, é comum surgir a seguinte pergunta: em que momento estético estamos agora? A resposta clássica deve dar conta da ideia de que tanto na Arte quanto na História é muito arriscado rotular as manifestações do presente. Qualquer apontamento que se fizer está certamente fadado a falhas e imprecisões. Entretanto, um termo já pode ser utilizado com segurança: minimalismo.
Surgido na pintura nos idos dos anos 50 do século XX (portanto, já está virando um senhor de idade), esse tipo de arte se espraiou por outras manifestações, tornando-se, de certa forma, um estilo orgânico, assim como o foram o Barroco, o Romantismo, o Realismo, o Modernismo. Caracteriza-se pela utilização de poucos constituintes, os elementos mínimos (daí a sua designação), empregados numa repetição intensa com pequenas alterações, ou numa estaticidade que se estende por toda a obra.
O vídeo acima, Piano Fase (2007), é bastante útil, pois permite visualizar o que se está dizendo. Nele, ouvimos a música de Steve Reich, um dos ícones dessa escola (assim como Philip Glass e Arvo Pärt). A reiteração intensa das notas musicais torna-se quase hipnótica. Entretanto, um degustador atento notará que há pequenas, mas marcantes mudanças. Repetição e variação se confundem. É o que também se vê na coreografia de Anne Teresa De Keersmaeker. As duas dançarinas fazem movimentos simples sincronizados que são refletidos em sombras atrás delas. O jogo de luz que foi montado forma um efeito bastante interessante. No lado externo das artistas a sombra é individual, mas entre elas há a junção das duas. Variação e unicidade: temas caríssimos do minimalismo.
Uma mente mais aberta irá perceber que essa técnica se espalhou, tornando-se a base da música eletrônica e seus congêneres constantes em raves e baladas: techno, house, trance, drum n’ bass... Mas há outros campos em que se manifesta, como no da já anunciada pintura. Basta ver o quadro a seguir, o Nº 5 (1962), de Ad Reinhardt. 
Observe que, assim como na música e na dança anteriormente analisadas, a obra acima à primeira vista mostra um único elemento, uma imagem preta. Reduziu-se a arte pictórica à sua essência, a cor, sem que haja a preocupação de representação de alguma imagem do mundo exterior. Aliás, até a cor foi reduzida ao básico, o negro. Nada de subjetividade, nada de transcendência. Pura forma. Entretanto, mais uma vez, uma apreciação atenta perceberá que há pequenas variações da cor, estabelecendo uma cruz, não em seu sentido religioso, mas no da visualização do encontro de duas coordenadas espaciais essenciais: horizontalidade e verticalidade. Mais uma vez, o mínimo.
Esses ideais também estão presentes na literatura. Um exemplo clássico é o “Canção do Exílio Facilitada” (1973), de José Paulo Paes:
                    Lá?
                    Ah!
                    Sabiá...
                    Papá...
                    Maná...
                    Sofá...
                    Sinhá...
                    Cá?
                    Bah!
Nesse poema, as ideias do mítico “Canção do Exílio” (1843) de Gonçalves Dias são reduzidas à sua essência, indicada pela associação entre os advérbios de lugar e as interjeições que lhe são vizinhas. E eles ecoam a rima marcante do poema romântico, que, aliás, nesse texto moderno, é a única utilizada. Além disso, os substantivos (a classe gramatical mais elementar da língua portuguesa) servem apenas para indicar, de maneira sintética, a razão da primeira exclamação.  
Tal concisão poemática também pode ser encontrada em outros integrantes da poesia contemporânea, destacando-se Paulo Leminski, que, com Paes, parecem influenciados pelo poema-pílula de Oswald de Andrade, assim como pelos haicais da cultura japonesa. Eis aí um bom caminho para o internauta enveredar para se divertir e se enriquecer sobejamente.
A impressão que fica, portanto, é a de que o minimalismo pode não ter sido o último ou muito menos o melhor estilo artístico contemporâneo, mas conseguiu cumprir com eficiência um dos papéis da arte, que é o de expressar os anseios de uma época. Em sua busca pela essência, eliminou o sujeito, o eu-lírico, as emoções. Paradoxalmente, acabou verbalizando de maneira bela o ethos de um mundo reduzido ao tecnicismo e pragmatismo. E como nos seduz!

10 comentários:

  1. Nossa, bem bacana esse vídeo, Lau; sempre achei interessante esse tipo de som mas não sabia disso tudo hehe. O Philip Glass é quem faz a trilha de "O show de Truman", que é sensacional. Se não me engano outro tema minimalista é a do "Exorcista" (Tubular bells), certo?? Realmente tirar conclusões ou rotular as manifestações culturais sem o distanciamento histórico é complicado, me lembro de um texto do Silvio Romero dizendo que o Machado de Assis não se enquadrava com qualidade na estética romântica, que era totalmente fora dos padrões e equivocado para a época, nomeando Porto Alegre com um dos maiores nomes da literatura e fiel representante das belas letras. Machado de Assis escreve Memórias Póstumas e mostra a que veio. Hoje, bem mais de 100 anos depois, é fácil rir dessa conclusão, mas na época era a análise que podia ser feita.
    Bem interessante o post, como sempre.
    Abrass

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    1. Tubular Bells também é minimalista. Tenho esse CD. Agora não me recordo o nome do autor. Mas o postei dia desses no Facebook.
      Quanto a Sílvio Romero, ainda não entendo a birra que ele tinha com Machado de Assis.
      Obrigado pelo elogio. Continue sempre contribuindo com seus comentários!

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  2. Lau, você acha que podemos citar o "Blu Man Group" como sendo também minimalista? Ás vezes eles tocam um som com poucas notas, mais muito expressivo! Abraços, do irmão do carioca. rsrsrs

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    1. Edgar, eu sei que o Blue Man é bem contemporâneo, mas não tenho segurança em afirmar ou negar a filiação deles ao minimalismo. O que me atrapalha é que o material que eles usam para fazer música parece impedir a variedade de notas musicais. Infelizmente, fico te devendo essa.

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  3. Olá Professor Laudemir parabens pela publicação,achei bem interessante o minimalismo e o vídeo da dança,mas professor:não existe um minimalismo fora da arte,ouseja,na indústria cultural e na sociedade de consumo?por exemplo,o futebol,sempre as mesmas noticias com diferentes personagens,sempre o mesmo assunto.Também nos telejornais,sempre uma noticia negativa(de crise,violencia,e no fim uma noticia ''positiva''e alioenadoraa respeito da final do big brother brasil,não seria um minimalismo mercantilizado?a globalização robotizou a sociedade,a adotar determinados valores,as músicas ano a ano são constituidas de uma mesma forma em busca do lucro.Concluindo,as ações de nossa sociedade muitas vezes mudam pouco.O que vc pensa professor?Agradeço,abraços

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    1. André, eu não sei dizer até que ponto o minimalismo quer criticar ou repetir, ou mesmo criticar ao repetir a estrutura pobre em que nossa sociedade se encontra. Mas o que sei é que na aparente repetição é bastante interessante notar a variação dos padrões que o minimalismo apresenta.

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  4. A obra Ah, é?, publicada por Dalton Trevisan em 1994, é considerada obra-prima do estilo minimalista no Brasil. Apenas lendo um trecho
    "Domingo inteiro em pijama, coça o umbigo. Diverte-se com os pequenos anúncios. Em sossego na poltrona, entende as borbulhas do gelo no copo de bebida. Uma velhice tranqüila, regando suas malvas à janela, em manga de camisa. Única dúvida: ganhará o concurso de palavras cruzadas?"
    Podemos perceber a falta de advérbios, apenas fatos simples, mínimos.

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    1. Interessante esse exemplo minimalista. E note que a redução ao mínimo parece simbolizar a pobreza a que chegou a personagem em sua velhice, não acha?

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  5. Adorei o post.
    Desconhecia a vertente musical.
    O bolero de ravel também tem algo de minimalista não?

    Segue link com alguns microcontos que escrevi:

    http://algumaliteratura.blogspot.com.br/2012/05/5-microcontos_25.html

    Abraço

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    1. Já cheguei a pensar nessa ligação entre o Bolero, de Ravel, e o minimalismo. Mas acho que há uma diferença. Na peça de Ravel eu tenho a mesma frase musical sendo tocada sucessivamente por cada instrumento de uma orquestra. Já no minimalismo a frase básica é repetida intensamento até que vão ocorrendo pequenas variações, perceptíveis apenas para quem se mantiver bem atento.

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