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Jean-Baptiste Chardin, O Filósofo Lendo (1734). |
No post anterior, sobre os livros cobrados em 2013 pelos vestibulares da FUVEST-UNICAMP, foi apresentado um quadro de Jean-Baptiste Chardin de 1734, O Filósofo Lendo. Trata-se de uma obra com simbologias interessantes que permitem que sejam passadas algumas mensagens muito úteis para as abordagens deste blog. Assim, seria válido fazer um exercício de leitura dele. Para tanto, baseio-me no que o filósofo George Steiner expôs em 1978 no seu O Leitor Incomum.
O primeiro elemento que deve merecer destaque é a roupa do leitor. É importante notar que ele usa uma vestimenta formal, como se tomasse parte de um cerimonial, de um culto. Tanto que porta um chapéu, o que transmite, no contexto, um ar sagrado ao ato que está realizando. Reforça ainda essa atmosfera solene a expressão compenetrada da personagem, o seu alheamento em relação ao que a cerca, além do silêncio que domina o ambiente. Todos esses ingredientes nos ensinam que a leitura é um ato sério, de concentração quase sagrada, pois só assim alcançará eficiência. Infelizmente, são elementos que estão se tornando raros nas gerações atuais, extremamente dispersas e desfocadas. Dominar essas habilidades, portanto, garante uma enorme vantagem diante da mediocridade que impera o pensamento atual.
O segundo elemento importante é a ampulheta, no canto inferior esquerdo do quadro. Ela instala um interessante e poderoso paradoxo. A começar, esse instrumento, que representa a brevidade do tempo humano, se for deitado, vai lembrar o símbolo do infinito. Efemeridade e perenidade em um mesmo objeto. A conjunção dessas qualidades opostas coloca em foco grandes questões ligadas à leitura. A primeira é a de que o tempo que escorre, o qual marca tanto o fluir da vida do leitor quanto o da leitura, evoca a grande e prazerosa angústia do intelectual – a incompatibilidade entre o tanto que se quer ler e o pouco de tempo que se tem de vida para isso.
Outro ponto interessante nesse aspecto temporal é o diálogo entre eterno e passageiro na relação entre o leitor e a leitura. O homem tem uma existência breve, ainda mais quando comparado com a duração das ideias que são veiculadas por um livro. Entretanto, é esse bicho da terra tão pequeno e efêmero que, por meio da degustação de um texto, acaba dando eternidade ao que está em uma publicação. Em suma, esta é superior ao homem, pois o supera em durabilidade; entretanto, essa superioridade só é possível pelo fato de existir alguém, ainda que fugaz, que leia esse volume.
Por fim, o terceiro elemento que merece destaque é o bico de pena que se encontra ao lado da ampulheta. Ele revela que o leitor não assume uma postura passiva de mero receptáculo do que é apresentando pelo livro. Muito ao contrário disso, sua atitude é ativa, pois demonstra uma disposição a fazer anotações, a concordar, a discordar, a resumir, a acrescentar. Ratifica o postulado de que um intelectual lê escrevendo. A verdadeira leitura se faz com escrita. Quem lê bem escreve bem. Quem escreve bem lê bem. Impossível admitir o contrário.
A aceitação de todos esses elementos expostos aqui – nunca é demais repetir – é condição essencial para que a leitura se realize de maneira eficaz, contribuindo para o desenvolvimento do homem em sua plenitude cognitiva e afetiva. E uma boa maneira de praticar um pouco mais essas habilidades é fazer a comparação do quadro de Chardin com a pintura abaixo, Leitura (1892), de Almeida Júnior, apontando diferenças e semelhanças. Vamos lá?