Um dos assuntos mais importantes nos vestibulares e no
ENEM é variedades linguísticas. Lidar com ele é lidar com um fato que é tão discutido
que está até presente em letra de músicas, como "Meninos e Meninas",
do Legião Urbana, mais precisamente quando o enunciador diz “Eu canto em
português errado, (...) troco as pessoas, troco os pronomes”. Mas existe mesmo
um português correto e um português errado?
O primeiro fato que é necessário entender é que a
língua, como manifestação social, tem inúmeras possibilidades de realização,
todas legítimas. O que vale então é ser eficiente na comunicação, ou seja, ser
capaz de se fazer entendido. Assim não há o conceito de português certo ou
errado. O que existe é o conceito de adequado ou inadequado. E para isso nem
sempre o respeito rígido às normas gramaticais, típico do chamado
"português correto", é válido.
Para comprovar o que se está afirmando, basta lembrar
que muitos anos atrás o Ministério da Saúde espalhou pelo país outdoors com a seguinte mensagem:
SE VOCÊ NÃO
SE CUIDAR,
A AIDS VAI
TE PEGAR.
Houve muita crítica em relação a essa publicidade,
pois vários setores da sociedade condenavam uma publicidade do governo federal com
um desvio terrível da norma culta. Mas em que residia o problema? Estava no tal
fenômeno que Renato Russo cantou em "Meninos e Meninas": "troco
as pessoas, troco os pronomes". Em outras palavras: como se usa terceira
pessoa (se VOCÊ não se cuidar) e
logo depois se emprega a segunda (a AIDS vai TE pegar)?
No entanto, caso se obedeça à norma culta, deixando
tudo na segunda pessoa, obtém-se: “Se tu não te cuidares, a AIDS pegar-te-á”.
Essa mensagem não consegue uma comunicação imediata e, portanto, eficiente com
o grande público. Mudando-se então para a terceira pessoa, consegue-se: “Se
você não se cuidar, a AIDS pegá-lo-á”. Outro fracasso comunicativo.
Percebe-se, portanto, que a forma original é mais
eficiente, por ser adequada ao que se propunha: comunicação rápida com o
público de diversas partes do país e de diferentes níveis sociais. E não
importa se para tanto está havendo uma mistura de pessoas gramaticais. Aliás,
esse fenômeno é tão comum na linguagem falada no Brasil que tem até nome:
cruzamento de pessoas gramaticais. Trata-se, portanto, de um processo legítimo
da língua portuguesa, pois é sistemático, sendo praticado por vários falantes
em nosso país, até por eruditos. Basta
ver este poema de Manuel Bandeira, "Irene no céu":
Irene preta
Irene boa
Irene sempre de bom humor.
Imagino Irene entrando no céu:
— Licença, meu branco!
E São Pedro bonachão:
— Entra, Irene. Você não precisa
pedir licença
O texto acima exemplifica o cruzamento de pessoas
gramaticais, que está na fala de São Pedro. A forma "entra", usada
pelo santo para se dirigir a Irene, é de segunda pessoa. Na frase seguinte a
mesma personagem usa o pronome "você", que é de terceira pessoa, mais
uma vez para se dirigir a Irene. E ainda
emprega o verbo "precisa", também em terceira pessoa.
Enfim, apesar do que muitos dizem por aí, não existe o
conceito de português errado ou português certo. Na verdade, o conceito que se
precisa lembrar não só para o vestibular, mas para toda a vida, é o de
adequação de linguagem.
Na próxima postagem falaremos mais sobre as variedades
linguísticas.
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