domingo, 4 de maio de 2014

Star Wars: a força que está conosco

4 de maio foi escolhido para se celebrar o universo Star Wars por um motivo bastante simples: em inglês, a expressão que nomeia essa dia, “May the fourth” (May, 4th) é parônima do começo de “May the Force be with you” (“Que a Força esteja com você”), frase emblemática dessa saga de ficção científica. Assim, vislumbra-se o poder dessa criação de George Lucas, pois um simples trocadilho é capaz de movimentar milhões de pessoas em torno de uma data quase que fortuita.
Não se pode negar o lado financeiro desse feito, que é respeitável. Pode não ter sido Lucas o descobridor, mas com certeza foi ele quem consagrou essa veia lucrativa que é uma franquia. O cinema aprendeu a faturar não apenas com bilheteria, não apenas com sequências, mas também com produtos ligados ao filme, desde álbuns de figurinhas, brinquedos, miniaturas, livros, quadrinhos, trilha sonora... Trata-se de uma verdadeira fábrica incansável de fazer dinheiro. E quando se pensa que ela vai parar, volta com mais força, seja na reedição dos filmes mais velhos, seja na estreia da animação, seja na publicação de versões em 3D, seja no lançamento de mais uma trilogia, ansiosamente aguardada e certamente tão rentável quanto as duas anteriores.
  


O poder de Guerra nas Estrelas é tanto que vai além da sala de cinema. Basta lembrar que inspirou o nome de um projeto de defesa dos Estados Unidos. Basta lembrar que a filosofia jedi já é vista como uma religião e com milhares de adeptos. Basta lembrar o frisson provocado pelo anúncio da nova trilogia, que consagrou o termo “prequel” (ou “prequela”, como querem os puristas). Basta lembrar que o lançamento do Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999) ocupou espaço amplo na imprensa, sendo capa da Veja, Época, Istoé, recebendo até cobertura da CNN. Basta lembrar que os fãs lotavam salas de filmes pouco memoráveis apenas para assistir aos trailers de Star Wars, e nada mais, provocando uma debandada antes da exibição da peça principal.
Não há como negar, entretanto, alguns aspectos negativos. Guerra nas Estrelas nunca ganhou um Oscar de renome, somente os de categorias técnicas. Sua bilheteria foi batida, por exemplo, por Titanic (1997), Avatar (2009). Além disso, o Episódio I: A Ameaça Fantasma causou uma grande decepção entre o público. Talvez porque a expectativa fosse muito grande. O universo Star Wars já estava disseminado no imaginário de milhões, entrando naquele campo mítico ou platônico de nossa estrutura mental, do qual muitas vezes nada deveria sair. Ver o ideal se realizando é chance certa de frustração, ainda mais quando o filme é sobre uma criança interpretada por alguém sem o talento de um Haley Joel Osment em O Sexto Sentido (1999). O que havia de emocionante nesse episódio? O início, com o encontro dos negociadores jedis com os representantes da Federação Comercial, a competição de pod racer (inspirada na corrida de bigas em Ben Hur, de 1959), o tour pela capital Coruscant, o contato com o Senado e o Conselho Jedi, e a batalha final. Fora isso, um atoleiro de marasmo. E que vilão mais insosso era aquele Darth Maul? E quem explica Jar Jar Binks? A impressão que se ficou era a de que ocorrera muito espetáculo, muito luxo, muito efeito especial para pouca ação. Paralelo a essa frustração veio o sucesso de Matrix (1999), que inaugurava uma trilogia que, muitos diziam, abria uma nova era para a qual não existia mais espaço para Star Wars.
Hoje, Matrix já não está mais moda. Titanic não causa mais agitação. A novidade de Avatar parece que já ficou datada. Mas Guerra nas Estrelas continua vivo, como a data de hoje demonstra, fazendo esse universo não se circunscrever aos que eram crianças e adolescentes nos idos de 1978. Até adolescentes de 2016 se veem fissurados nessa saga. Mas como explicar a longevidade desse sucesso?

 


Não há como negar que houve um senso de oportunismo de Lucas. Em primeiro lugar, sua obra é um pastiche de elementos culturais. Encontramos nela referências ao western, às histórias de kung fu, de samurais, a Flash Gordon, ao clássico 2001 (1968), de Stanley Kubrick, à cultura indiana... Mas há que se lembrar também que o cineasta  soube adaptar-se aos novos tempos, sem manchar o caráter mítico de sua saga. Se na passagem dos anos 1970 para 1980 cabia muito bem uma história maniqueísta, mostrando o embate entre o Império e a Aliança Rebelde, na nova trilogia houve um amadurecimento notável. O conflito que deu origem à história do Episódio I: A Ameaça Fantasma tem ingredientes de embargo econômico, sanções, bloqueio de fronteiras, democracia minada por corrupção, negociações políticas infindáveis que não resolvem problemas sociais. Assuntos atualíssimos. O Episódio II: O Ataque dos Clones (2002) até mexia com um tema palpitante, a clonagem – mas ele já havia sido anunciado no Episódio IV: Uma Nova Esperança (1977). Ainda assim, sua contemporaneidade se vê nas referências constantes a ataques terroristas que padecem sobre Amidala. Mas tudo começa a ficar mais sério quando se nota que uma guerra está sendo engendrada só para que o senador Palpatine ganhe poder. Quem seria louco para se beneficiar de um conflito sangrento, iludir toda uma nação e se tornar onipotente? Nesse momento, nosso senso crítico daria um sinal de alerta, recorrendo a tantos governantes na história de nossa civilização.

 

Entretanto, o ápice desse tipo de oportunismo virá com o mais maduro de todos os filmes, o Episódio III: A Vingança de Sith (2005). É nele que se percebe o conflito entre o pragmatismo capitalista, alegorizado no Império, e o bem-estar individual, alegorizado na filosofia jedi. Mas quando se ouve da boca do recém-decaído Anakin Skywalker uma frase que parece ter saído do Bush caçador de terroristas (“Ou você está comigo, ou você está contra mim.”), a ponte com o contexto histórico-social fica mais clara. Aliás, profundidade é o que esse filme tem de sobra em relação aos outros, principalmente nos questionamentos filosóficos quanto à fronteira entre o bem e o mal (Pode-se fazer algo errado em nome do bem? E pode-se fazer algo certo em nome do mal?), o que leva o protagonista a uma crise sem retorno. Os temas ingênuos da infância estavam então sepultados. E o tom fúnebre com que o filme se encerra parece servir também ao final doloroso de todo o clima feérico que a trilogia carregava. É inquestionável: sai-se dessa película com um mal-estar. Belo, mas terrível.

   

Entretanto, Star Wars vai muito além dessas alegorias ao contexto histórico em que está inserido. Há algo de mais profundo, e temos uma noção do seu alcance quando se tem em mente a formação de George Lucas. Sabe-se que esse cineasta foi aluno de Joseph Campbell, antropólogo que estudou a estrutura dos mitos de várias culturas. Ele é que deve ter ensinado o dono da poderosa franquia a entender que o que nos fascina em tantas histórias, por mais fabulosas que sejam, por mais antigas que sejam, é que no fundo elas falam de nós mesmos. Assim, Guerra nas Estrelas é uma fábula de ficção científica a nos ensinar que, ainda que o avanço tecnológico seja notável, a ponto de destacar o papel da máquina, o mais importante, a fonte de todas as mudanças é o homem. E o grande tema campbelliano, a jornada do herói, nada mais é do que a busca de nossa realização interior, que passa por um processo de descoberta, tentação, queda e, o que é mais glorioso, redenção. O mal está em toda parte. Como dizia o apóstolo Paulo, os soldados da malignidade são muito mais eficientes, o que se comprova pela facilidade com que o que é ruim toma conta do mundo. Isso significa que somos propensos à degradação, que nossa essência má é latente e forte. Mas saber que, por piores que sejamos, podemos nos resgatar é muito gratificante. E é isso que os seis episódios de Star Wars nos mostram. Por isso seu aspecto apaixonante.


 Resumos, análises e comparações:
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