domingo, 12 de agosto de 2012

Drummond e o "Sentimento do Mundo"


Estamos celebrando os 110 anos do nascimento de Carlos Drummond de Andrade, fato bastante lembrado na imprensa, ainda mais por causa da FLIP 2012, que teve esse escritor como homenageado. Entretanto, há quem critique a mania de nossa sociedade de se empolgar com datas comemorativas, ainda mais as redondas (10, 20, 50, 100, 200 anos), depois acabar jogando-as no limbo do esquecimento.
Existem aqueles, entretanto, que veem um lado positivo no presente caso: está-se lembrando do maior poeta da literatura brasileira. Não há como questionar essa dádiva. Todavia, a maneira como tal tem sido feito levanta alguns questionamentos. Numa edição do Jornal das 18h da Globonews, Geneton Moraes Neto, autor de uma interessante biografia sobre Drummond, preocupou-se em ler alguns poemas que achava bonitos. Era algo inédito, pois nos fazia ter contato, em um telejornal, com poesia. Mas ficou só nisso, jogado, acompanhado de comentários vagos da âncora Leilane Neubarth – “Muito bom!”, “Muito lindo!” (será que ela realmente havia entendido a força daqueles textos?). Diferente, por exemplo, de quando Tom Jobim recitou “Poema da Necessidade” no programa Antônio Brasileiro (1987), da Rede Globo, e acabou se encantando com o verso “É preciso ter mãos pálidas”.
Há quem destaque, porém, que a poesia é simplesmente o trabalho com a linguagem, devendo ser apreciada sem ênfases, sem pausas, sem interrupções, sem explicações. Assim, a simples leitura de um texto poemático é válida, não interessando ter havido ou não a sua compreensão. O próprio Drummond já afirmara algo parecido no seu “Procura da Poesia”, de Rosa da Povo (1945):
“Penetra surdamente no reino das palavras.
(...)
Chega mais perto e contempla as palavras.
Cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:
Trouxeste a chave?”
Mas naqueles espremidos dez minutos de telejornal destinado ao público em geral, sem espaço para a contemplação, será que o efeito foi válido, ainda mais por se tratar de poesia moderna, que tem um lado tão pouco acessível.
Serviço pior fez Diogo Mainardi no Manhattan Connection, da mesma emissora. Instado pelo jornalista Lucas Mendes a falar sobre Drummond, o assunto do momento, disparou seus costumeiros comentários ácidos, atribuindo ao poeta um sentimentalismo barato e piegas de socialista. Ficou a impressão de que ele não lera (ler mesmo) o poeta mineiro. Ou se esquecera de suas aulas de literatura, que com certeza devem fazer parte do repertório cultural de um jornalista de porte. Drummond tem de fato poemas deploráveis, como os de Amar se Aprende Amando. Mas são textos esquecíveis diante de obras-primas como as presentes em Alguma Poesia (1930), Sentimento do Mundo (1940), Rosa do Povo e Claro Enigma (1951). São textos que deixam claro que não existe sentimentalismo na obra do itabirano e que, quando ela se abre para o socialismo, não o faz de maneira panfletária ou quixotesca. Tanto que em “Mãos Dadas”, de Sentimento do Mundo, o autor deixa claro que não cantará “o mundo futuro”, ou seja, que não se prenderá às utopias desvairadas que hoje caíram em descrédito.
Enfim, são problemas que seriam evitados com a simples leitura das obras de Drummond. E a oportunidade pode ser agora, pois Sentimento do Mundo está na lista de livros para o vestibular da FUVEST-UNICAMP 2013. Trata-se de uma obra que está em um ponto crucial na carreira do grande poeta brasileiro. É o momento em que ele começa a largar sua postura individualista (o famoso “eu > mundo”), autocentrada, típica dos primeiros livros, Alguma Poesia e Brejo das Almas (1934). Basta lembrar o famoso “No Meio do Caminho”: o poeta se mostra tão fechado em si mesmo, como dizia o estudioso Afonso Romano de Sant’Anna, que não é à toa que só olha para baixo, para a pedra, por exemplo. Em Sentimento do Mundo, como o próprio título indica, há o abandono da tendência egocêntrica e a preocupação em prestar atenção no mundo e nos seus problemas.
Sua abertura para o social, entretanto, não se faz de maneira panfletária ou quixotesca. É importante repetir isso. É realizada de forma sóbria e madura, sem deixar de ser bela e tocante. Claro, para o leitor que tem o aparelho estético adequadamente desenvolvido. Do contrário, achará bestas poemas como “Inocentes do Leblon”, recitado acima por Chico Buarque. Nele, de maneira econômica e precisa, sem deixar de lado a literariedade, Drummond critica um comportamento que ainda se faz bastante atual: a inocência (na verdade alienação) das classes favorecidas em se entregarem ao ócio e ao prazer (na verdade à futilidade), ignorando os problemas graves do meio em que estão inseridas. Não é o que se vê hoje? O mundo inteiro acontece com sua crise, não só econômica, mas também ética, e os “inocentes” apenas se mostram preocupados com a areia, o óleo suave, a balada, a micareta. E quando se tem em mente que este não é o texto mais valoroso de Sentimento do Mundo, percebe-se a necessidade de mergulhar na obra. Façamo-lo!

7 comentários:

  1. Nao é so os ricos que sao alienados as pessoas de classe media e baixa tb sao, gastam oque tem e oque nao tem pra sair nesses lugares caros, nao q eu ache errado eu acho q deve ter um equilibrio entre diversao e estudo

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    1. É uma questão complicada, Gaia. Mas a alienação de qualquer jeito, não importa de quem parta, não acha?

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  2. O "pobre" é alienado porque é oprimido pelo trabalho, oprimido pelo medo de que falte algo em casa; por isso é escravizado pelo sistema, manipulado pela mídia e esquecido pelo governo; tudo pelo medo. Difilmente sairá dessa situação, não lhe é dado oportunidades para sair dessa condição, salvo alguns casos isolados. É o trabalhador que só faz trabalhar e nada mais, é o leiteiro que morre, na maioria das vezes confundido com o ladrão a fim de que seja garantido o direito a propriedade privada dessa gente que se importa somente "com a areia, o óleo suave, a balada, a micareta", como disse o professor.
    Drummond é gênio, viu seu tempo como ninguém.
    Abrass Lau.

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  3. Você tem razão: os dois setores estão alienados. Os pobres, mergulhandos na luta pela sobrevivência, e os ricos, no seu hedonismo. Por um lado, faz lembrar o chatíssimo discurso de Zé Fernandes no capítulo VI de A Cidade e as Serras, em que se faz uma ataque feroz ao mundo urbano. Por outro lado, faz lembrar o vazio em que se encontra o ser humano, hoje e sempre. E a relação com o leiteiro foi ótima. Conto com sua participação enriquecedora nos próximos posts!

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  4. Um dos motivos de eu querer dar aula é quando percebo uma vontade do mestre em mudar sua postura. Isso me instiga. Não me lembro dessa abordagem em sua aula, frisando e conceituando muito bem, a necessidade de se entrar nas palavras,em um claro incentivo a uma melhor interpretação e a compreensão das diversas possibilidades que a literatura pode nos levar: essência de qualquer arte. Preciso ver uma aula sua, pois percebo que em últimos posts você vem abordando uma dinâmica de incentivo. Todo professor de literatura incentiva à leitura, mas você está partindo de um ponto muito delicado, pois quer mostrar arte e não só uma abordagem pragmática ou mesmo um interpretação digna de cursinho (superficial). Parabéns! Não sei se foi consciente, mas muito legal e veja esse post como um feedback.
    Você também vai sofrer do mesmo mal que Drummond sofreu quando seus poemas foram lidos em canal aberto. Sua mensagem não vai ter a amplitude que talvez você projete, mas acho que você não parte de ilusões em relação a dar aula, trocar conhecimento. Também não tenho condições e nem vou tentar ensinar padre a rezar missa, mas continue!
    Grande abs Lau!

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    1. Meu caro Robson. Precisamos lembrar que uma coisa é apresentar ideias no esquema corrido do Semi, como foi com você. A aula ali era diferente, por exemplo, da do Extensivo, em que a matéria pode ser abordada da forma como o próprio nome do curso indica. Além disso, a abordagem aprofundada é dedicada a aulas especiais, como aquelas de sábado dos livros da FUVEST. Por fim, o espaço do blog foi muito útil para mim, pois me permitiu apresentar coisas que não se encaixavam adequadamente em sala de aula e que acabavam por atrasar a programação, à qual eu reconheço que sou subordinado. Mas reconheço que muitos dos posts daqui, como o sobre "Construção", foram inspirados em discussões suscitadas em sala de aula e que foram interrompidas pelo sinal que batia e pela minha necessidade de ir para outra turma. A sorte é que o aluno interessado pôde continuar o assunto aqui.

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