quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Herói, Star Wars e O Dia Depois de Amanhã - As Três Máscaras do Cinema: Arte, Ideologia e Indústria Cultural



Chamado de sétima arte e, por isso, o caçula de todas elas, o cinema tem possibilitado inúmeras discussões, algumas delas aqui nO Magriço Cibernético. Sua produção é bastante vasta, apresentando alguns exemplares preciosos, outros esquecíveis. Em vista de tudo isso, seria interessante ter em mente a classificação apresenta pelo estudioso da área, Paulo B. C. Schettino. Claro, deve-se lembrar, antes de mais nada, que toda rotulação é problemática, pois tem um quê de artificial, falhando ao não apresentar nuances entre os diferentes tópicos, desprezando a riqueza que é a interpenetração possibilitar que um mesmo filme apresente características de mais de uma máscara (para usar o termo de Schettino). Na verdade, devemos vislumbrar uma película pele seu caráter predominante, do contrário, o prejuízo será relevante ao se ignorar as manifestações das outras máscaras num mesmo exemplar. Só com isso em mente é que se enxergará melhor a produção cinematográfica.
Num primeiro momento, podemos destacar filmes em que a máscara “Arte” é posta em relevo. Entre tantos, podemos citar dois chineses da nova sofra que andou um tanto na moda: Herói (2002) e O Tigre e o Dragão (2000). São obras que se mostram verdadeiros colírios, verdadeiras pinturas a lembrar os épicos de Akira Kurosawa. Some-se a isso a excelente trilha sonora de Tan Dun, que, no caso do segundo filme, ganhou o Oscar. Injustamente, pois quem merecia era Hans Zimmer com Gladiador (2000). Comprova essa injustiça o fato de que o alemão já tinha ganhado o Globo de Ouro com essa banda sonora. Entretanto, era o ano em que a Academia queria agradar a China e o seu riquíssimo mercado. Business...
O aspecto estético (alguns até acusariam de esteticista) desses dois filmes chineses chega a enobrecer nossa alma. É cinema para ver. Talvez isso seja o ingrediente que nos faça perdoar a ideologia assustadora de Herói, que subliminarmente parece justificar ações como o Massacre da Paz Celestial. Tudo parece válido para manter a China unida. Mas o que vale é ver como uma mesma história pode ser contada de perspectivas diferentes, até mesmo sob matizes diferentes. Usa-se “matizes” tanto conotativa quanto denotativamente, pois chamaram a atenção as diversas cores usadas para cada viés narrativo assumido.
Também desperta interesse nesses filmes as lutas, que viram coreografias que misturam dança e acrobacia. Pode-se imaginar que é o momento em que o filme se rende às outras máscaras, pois saciaria o desejo por pancadaria típico dos famigerados filmes de kung fu de Jackie Chan e genéricos. Atende-se, portanto, à preocupação com lucro e com a veiculação de ideologia? Talvez esse não seja o aspecto mais forte aqui. Ainda predomina a arte. Entretanto, esse ingrediente, negativo, ainda que leve, já reforça a tese de que não se pode imaginar uma divisão radical das máscaras.
Reforça a ideia de que tal tripartição é impossivelmente estanque a lembrança de que os dois filmes em questão também servirem como meio de comunicação. Já se falou da ideologia subliminar de Herói. Pode-se lembrar também que o tema de O Tigre e o Dragão – belo, por sinal – está em outras obras do seu diretor, Ang Lee: Hulk (2003) e Brokeback Mountain (2005). Esses três filmes abordam o conflito problemático do indivíduo massacrado diante das imposições sociais. Em Brokeback Mountain, tolheram a plenitude de uma manifestação de afetividade. Em Hulk, provocaram a explosão animalesca do protagonista. Em O Tigre e o Dragão, foi apresentada a solução do desapego, que torna as personagens mais leves e metaforicamente voadoras. Mas o resultado é o mesmo: a desumanização.


 A segunda máscara, por sua vez, pode ser vista em filmes como as trilogias de Guerra nas Estrelas. Há aqui a utilização do cinema como meio de transmissão de ideias. No caso da trilogia antiga, a saga de ficção científica não chega apenas a criar elementos no imaginário dos seus espectadores. Na verdade, recupera – obedecendo à teoria de Joseph Campbell (O Poder do Mito) – a importância, o valor dos mitos em nossa vida. Transforma-se, portanto, em fábula a explicar, representar e falar sobre o mistério de nossa existência. É a jornada do herói em busca de seu eu interior. Para tanto, basta lembrar a figura de Darth Vader, vilão mascarado, pois de rosto destruído. Representa-se aqui o risco que nós corremos se nos entregarmos ao sistema, à burocratização alienante de nossas vidas – a perda de nosso rosto, de nossa identidade.
Quanto à trilogia nova, destaca-se o Episódio III: A Vingança de Sith (2005), em que se enxerga, na metáfora do conflito entre os jedis e os siths, o choque entre o Budismo e o Capitalismo, ou seja, entre o Oriente e o Ocidente, este, infelizmente, aparentemente vencedor.
Óbvio é perceber que a preocupação com os efeitos visuais seria uma manifestação da máscara “Arte” e o lucro fabuloso dessa saga é a encarnação da máscara “Indústria Cultural”. Mais uma vez reforçada a tese da impossibilidade de enxergá-las como fortemente compartimentadas.


 Por fim, podemos destacar como filme em que a máscara do lucro se sobressai O Dia Depois de Amanhã (2004). Filme bobo, de trama fraca, muitas vezes previsível, aproveitadora de um tema da moda (a preocupação com o aquecimento global) em que o destaque está nos efeitos especiais simulando a revolta do clima destruindo o mundo, principalmente Nova Iorque. São efeitos de tirar o fôlego, mas muitas vezes não passa disso.
Interessante é ver como a indústria cultural se mostra voraz e ardilosa. Um filme produzido pela Fox, de direita, apoiadora de Bush, veicula ideais contra a Era Bush, e quase nada acontece, apenas uma leve grita ali e aqui da equipe governamental norte-americana, que se sentiu traída. Ou melhor, nem tudo ficou ileso – o lucro da distribuidora foi fabuloso.
Enfim, todos esses filmes, de uma forma ou de outra, mais os primeiros do que o último, devem ser valorizados, pois são manifestações de arte, no sentido de, ao nos fazer evadir da vida (a vida em si não nos basta), paradoxalmente enxergá-la melhor e entender quem somos e qual nosso papel no mundo.



2 comentários:

  1. A relação da máscara de Vader e sua despersonalização pela entrega ao sistema onívoro e burocrático foi sensacional, Lau.

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    1. Meu caro Ricardo, creio haver lido essa ideia naquele livro que te mostrei, O Poder do Mito, de Joseph Campbell. Lembra?

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