Jung (1875-1961) criou um conceito muito importante para quem quer conhecer o comportamento humano: inconsciente coletivo. Trata-se de um conjunto de elementos culturais que nos são herdados e que são comuns a todos nós, tornando-se um depósito de arquétipos, ou seja, de modelos de representações de fatos da existência. Alguns dizem que esse elemento explica de forma muito melhor a alma humana do que a antropologia, a filosofia ou até a própria psicologia. No mínimo, seguramente é uma abordagem interessante e diferente, pois mexe com simbologias. Se é perigoso ou pelo menos difícil olhar diretamente para a Medusa, é mais eficaz olhá-la por meio de um reflexo.
Seguindo esse raciocínio, há elementos valiosos nos filmes blockbusters. É certo que neles a riqueza intelectual é inversamente proporcional à comercial, com seus esquemas repetidos como garantia de bilheteria, com sua valorização dos efeitos especiais em detrimento da exercitação das habilidades afetivas e cognitivas do público. Ainda assim, o sucesso que obtêm é um ingrediente que não pode ser desprezado, pois é indicativo de que algo está fazendo eco no espírito de quem consome esse tipo de produção. Em outras palavras, eles são pistas para que entendamos o zeitgeist, o espírito de um momento.
Adotada essa perspectiva, torna-se bastante útil observar a febre zumbi que se tem manifestado nos filmes Resident Evil (2002) e 28 Days Later (2002), no HQ The Walking Dead (2003), na série de televisão homônima (2010), no romance Pride and Prejudice and Zombies (2010) e inclusive no nacional Memórias Desmortas de Brás Cubas (2010). A pandemia chegou até mesmo a gerar flash mobs como as zombies walks. O que pode estar atrás disso?
Fotograma de Resident Evil: Afterlife (2010) |
Quando se tem em mente que zumbi inicialmente era uma lenda que falava de um morto que por meio de vodu se transformava em um servo sem consciência e vontade próprias, tão abaixo da nossa condição que sua voracidade o transformava em canibal, muitos significados valiosos vêm à tona. Eles são na verdade uma representação do medo que nós temos de perder o nosso bem precioso, que é o caráter humano. E se essa fobia está espalhada em tantas mídias, é porque de certa forma isso parece já estar acontecendo. Observe como em Resident Evil o T-Virus se espalha em um ambiente de trabalho cheio de departamentos, elevadores, divisórias, tubulações de ar condicionado, com gente atarefada e de roupa social. Uma empresa como tantas outras. É o nosso cotidiano que está lá, é a nossa vida. Na verdade, a nossa não-vida, porque é uma instalação subterrânea em que não se vê a luz do dia. Para ganharmos nosso pão (ou ração), tornamo-nos servos (zumbis) de interesses econômicos, representados por grandes corporações, que, nos dizeres do filósofo Zygmunt Bauman, não têm pátria. A unidade de Tóquio da Umbrella foi destruída? Transfere-se seu potencial para outra localidade. Não é isso que o capitalismo tem feito ultimamente, sobrevivendo a crises deslocando facilmente sua riqueza de um ponto a outro?
The Walking Dead, HQ criada em 2003 por Robert Kirkman e Tony Moore para a Image Comics. |
Outro aspecto bastante relevante é o fato de essa epidemia estar ligada ao tema do apocalipse zumbi, que tem sua origem no clássico A Noite dos Mortos Vivos (1968). Trata-se um filme em preto e branco, de orçamento parco, mas que, apesar dessas deficiências, ou graças a elas, tornou-se um ícone do gênero. Lá, a explicação para o fim dos tempos está numa sonda a Vênus que voltara ao nosso planeta contaminada. Hoje, é um produto da guerra biológica. Valores diferentes de épocas diferentes para expressar a mesma fobia: o medo de que o mundo com o qual estamos acostumados desapareça. E se esse receio se faz tão presente, acaba expressando uma atitude ambígua: ao mesmo tempo em que tememos que tal catástrofe aconteça, queremos também que se efetive, pois já sentimos um cansaço com o estado em que tudo se encontra. De fato, todo mito apocalíptico tem em seu bojo um mito soteriológico.
Enfim, a febre zumbi que assola nossos meios culturais deve ser entendida, conforme tudo o que foi discutido aqui, como uma manifestação dos anseios em que se encontra a nossa espécie. Ela pode não estar percebendo conscientemente os perigos a que está exposta, mas a maneira com que se apega a histórias com esse tema indica que inconscientemente já o captou. O que já é uma réstia de esperança.
Infelizmente há uma banalização das ficções científicas. Assim como nas estórias de Vampiros, isto vem acontecendo no meio dos Zumbis. Ouvi dizer que há uma série (ou filme, não me lembro bem) onde o zumbi é apaixonado por uma moça, assim como na Saga Crepúsculo. Não se faz mais filmes como antigamente como "Garotos Perdidos" (1987), "Van Helsing" (2004) ou então "Madrugada dos Mortos".
ResponderExcluirMurilo, a banalização é geral. Até na ética. A vida anda banalizada. E você me fez sentir mal, pois você chama "antigamente" 2004...
ExcluirSintonia pouca é bobagem de seus temas com meu cotidiano, acabo de assistir o filme em 3D, quero me matar pela qualidade visual do produto, porém essa temática de medo de seguir por essa estrada de tijolos "zumbísticos" se manifestou do meio para o final do filme. Sempre tenho esse temor apocalíptico quando o clima fica insuportável ou preciso comer mais vegetais e menos Mc. E eu que vou ver pra levar uns "sustinhos" e ficar "agoniadinho" acrescento mais uma sensação depois que leio seu post Laudemir que minha percepção anda certa sobre o valor do lixo cinematográfico: ele pode ser reciclado em bons temas, como o seu.
ResponderExcluirAdoro Jung, adoro o inconsciente coletivo,adoro os elementos que você insere como troca de informações a respeito do tema.
Diferente do post acima adoro a banalização da ficção científica. Essa forma de fazer ficção nada mais é que um reflexo da restrição imposta da imaginação associado ao "puritanismo" que estão inserindo na maneira de pensar o fantasioso. Esses dias estava falando de Tim Burton, Lars Von Trier e Tarantino e seus épicos filmes e me disseram: Acho que você é psicopata ou esquisito. Minha vontade foi degolar a pessoa, só que não,rsss. Eu respondi que eles com seus filmes me permitiram sair de um estado catatônico onde a gente é obrigado a ser feliz colocando o pino amarelo no buraco amarelo. E por que adoro blockbusters? Porque as pessoas saem de um filme "pino amarelo no buraco amarelo" com vontade de imaginar, de se incomodar e as vezes de pensar ( por favor me inclua nessas pessoas) pelo simples fato de se deparar com algo ruim.
Meu caro, você escreve tanta coisa, você tem tanta ideia boa que eu nem sei por onde começar a comentar. Por que você não faz um blog com tudo isso? Seria ótimo e útil!
ExcluirVampiro = Anne Rice
ResponderExcluirO que você tem a falar sobre essa relação entre Vampiro e Anne Rice. Estou curiso.
ExcluirUm filme de que retrata de forma bem evidente a "zumbificação" por conta da rotina que nos transforma em seres (vivos?) sem vontade própria e sem perspectiva de mudança (mesmo porque não percebemos que isso ocorre) é Todo Mundo Quase Morto. O protagonista do filme vive uma vida horrivelmente monótona e vê no surgimento de mortos-vivos a chance de se tornar um heroi. Mas um heroi mais para ele mesmo que para o restante da humanidade, que a essa altura é formada por pouquíssimos humanos. A "inveja" que sentimos do fato de os mortos-vivos obedecerem apenas a seus instintos, que são, basicamente, a busca por alimento e segurança (que, convenhamos, é o necessário mas não nos é suficiente), juntamente com o medo que sentimos de perder nossa identidade, soterrados por trabalho, deveres e, por que não, estudo (tenho visto muitos zumbis no cursinho) cria essa atual fixação pelo tema. Basta observar a quantidade de filmes e séries produzidas na última década sobre o assunto.
ResponderExcluirMuito bem obsercado, Jéssica! Os zumbis estão por aí, por toda parte!
ExcluirP.s. Acredito que o objetivo da depravação (mudei o termo, para mim é depravação da gorda) dos filmes de vampiro e cia visa apenas atingir as camadas "menos pensantes". Se tornou constante a produção de livros e filmes para atender a uma, infelizmente, grande parcela da população que acredita que estes servem apenas como distração. Acredito que isso ocorra porque é muito fácil fazer um Crepúsculo, mas fazer um Drácula é difícil.
ResponderExcluirConcordo. Mas acho interessante observar como essa indústria cultural, apesar de ser lixo, revela os valores de uma época, não acha?
ExcluirNão tinha pensado nisso. Reflete, sim. O Edward Cullen é um exemplo.
ResponderExcluirVc está mais para Edward ou Jacob?
ExcluirHahahaha. Estou mais para Lestat em Entrevista com o Vampiro
ResponderExcluirPena q não vi nenhum desses filmes...
ExcluirEsse eu recomendo.
ResponderExcluirVou procurar assistir então, minha cara!
Excluir"Jesus, porém, disse-lhe: Segue-me, e deixa os mortos sepultar os seus mortos." (Mateus 8 : 22) Depois de tantos filmes, séries, desenhos, jogos... O advento da Crocodille (droga zumbizante e pior que o Crack) me dizem que esse lenga lenga escrito aí é só cavilação.
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