Publicado em 1937, Capitães da Areia, de Jorge Amado, é, entre os livros cobrados para as provas da FUVEST-UNICAMP 2013, aquele que tem aceitação mais fácil entre os vestibulandos. O curioso é que esse sucesso faz com que se deite uma vista grossa sobre a intenção do volume de divulgar os falecidos ideais da revolução socialista, o que é uma lição para que entendamos que a qualidade de uma obra de arte muitas vezes supera o contexto histórico que a inspirou.
Estabelecidos esses fatos, é necessário vislumbrar algumas características desse romance para que se possa entender os mecanismos de seu funcionamento e, por consequência, a razão de seu sucesso. A começar, deve-se ter em mente que esse livro é fruto de uma época em que seu autor estava ligado ao partido comunista. Dessa forma, esse texto é irmão de outra obra-prima do autor nesse setor: Jubiabá (1935). Por causa disso, quando se focaliza o enredo de cada um desses livros, vêm à tona alguns pontos importantes.
Jubiabá é a história de um lutador de boxe, que dá título ao livro, que, em meio a sua vida simples, passa por inúmeras peripécias, por vários momentos de emotividade e sensualidade, até que percebe que, se está na pobreza, não é por causas gratuitas, mas porque vive em um sistema injusto de exploração: o capitalismo. Dedica-se então à luta pela revolução socialista, que lhe é despertada no instante em que conhece a força que o trabalhador tem por meio da greve.
O parágrafo acima expõe um aspecto crítico na obra de Jorge Amado, principalmente na produção de recorte esquerdista: o esquema fixo. Tanto isso é verdade que, apenas com a mudança de elementos de superfície como personagens e espaço, esse esqueleto pode ser aplicado facilmente em Capitães da Areia. Tal faz entender a crítica que se faz de que o autor, descoberto um esquema de sucesso, passou a reproduzi-lo à exaustão. Não se está discutindo aqui o mérito ou demérito desse procedimento. O que se está tentando afirmar é que o romancista quer-se utilizar de todas as formas possíveis para garantir a transmissão de sua mensagem. Esse é o ponto que precisa ser analisado: tendo em vista um objetivo, Jorge Amado manipula um conjunto de elementos literários – o que foi apontado é apenas um entre outros elementos – para que obtenha êxito de comunicação.
Cabe aqui, então, uma metáfora insólita. O que acontece em Capitães da Areia é como se o grande autor baiano quisesse oferecer para o grande público um excelente macarrão, feito com aqueles que considera os melhores ingredientes. Entretanto, sabe que ninguém come macarrão puro, sem tempero algum. Em outras palavras, tem consciência de que, por mais justos que sejam os ideais socialistas, qualquer livro que ele componha apenas com a exposição das ideias desse sistema não terá grande número de leitores. Então ele aplica a essa massa um excelente molho – peripécias, sensualidade, lirismo, português coloquial brasileiro, alto nível poético de linguagem – para que, assim, seus ideais finalmente tenham vazão.
Dessa forma, deve ser aplicada na avaliação de Capitães da Areia a capacidade de seu autor de manipular a linguagem literária – e não o conteúdo que está sendo passado. Portanto, a análise dessa obra não deve se preocupar, portanto, com o valor do socialismo, se esse sistema tem ou não eficácia, ainda mais no mundo de hoje. Olhar para isso é datar a obra – e o sucesso que ela ainda detém mostra que não ficou presa às fronteiras daquele tempo. O que se tem de observar é como esse romance, dentro do universo de valores que se propôs abordar, conseguiu manipulá-los. Essa é a essência da análise literária, e que não é difícil, pois está à altura de qualquer estudante que terminou com competência o Ensino Médio.
Me sinto na obrigação de ler "Capitães da areia" *-*
ResponderExcluirÉ um bom livro. Se você desculpar o final panfletário. Fora isso, você terá uma boa diversão.
ExcluirÉ um livro que chovem pérolas da inversão de valores. O autor médio se preocupa tanto em expor a face negra do capitalismo que peca em não dar limite às ações das "vítimas do sistema", fazendo destas, seres acima de críticas, ao passo que todo o resto se resume a "homens maus". Descrever poeticamente uma cena de estupro, é apenas um dos exemplos. Sobre a Fuvest, mesmo lendo esse post do "omagricocibernetico", não sei o que lhe faz pôr Jorge Amado na mesma lista de exigência de leitura em que está Machado de Assis, Graciliano e Drummond.
ResponderExcluirConcordo com sua observação - não sei o que faz Jorge Amado na lista de livros da FUVEST-UNICAMP. Mas a cena do estupro, deplorável, tem suas explicações, como você viu no post posterior a este, não?
ExcluirBem colocada a sua opinião sobre o "macarrão puro", Lau. Jorge Amado, através de uma história bastante simples, envolvente e de linguagem bastante acessível, dissemina ideais socialistas que são notados aos poucos no decorrer do livro e que explodem no fim.
ResponderExcluirPorém, o livro foi lançado em 1937, na metade da Era Vargas, época de muitas mudanças e ideologias que não estão mais ativas nos dias atuais. Portanto, o socialismo exacerbado pode até passar despercebido por leitores menos atentos. Para nós, hoje, a obra trata de uma rotina tão corriqueira que nem percebemos que se trata de uma tentativa de demonstrar uma falha no sistema através de absurdos, como a existência de pessoas simultaneamente infantis, que brincam no Carrossel, e adultas, que cometem crimes, devido à opressão que sofrem.
Adorei sua observação no último parágrafo. Realmente, é um sistema absurdo que faz com que crianças tenham que se ver forçadas a se transformar em adultos precoces.
ExcluirEstou treinando para o futuro no seu blog, hehehe.
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