quarta-feira, 17 de outubro de 2012

As três versões de Capitães da Areia: romance, minissérie, filme




Em posts anteriores (26 de agosto, 05 e 09 de setembro de 2012) foi discutido que a transferência de ideais de uma plataforma estética para outra provoca transformações e até mesmo adaptações válidas e bastante interessantes. Hoje veremos que essas mudanças levam em conta não apenas o gênero em que se manifestam, mas também o contexto em que vieram a público. Para que se entenda essa afirmação, serão analisadas três versões de Capitães da Areia (obra já discutida nos posts de 03 e 07 de outubro de 2012), de Jorge Amado.
A primeira versão é o romance, que é de uma época (1937) em que o Brasil se via mergulhado na Ditadura Vargas. Era natural que esse texto literário assumisse uma postura crítica com relação aos problemas de seu tempo, principalmente os provocados pelo sistema capitalista, causador de uma distribuição de renda tão injusta que mergulhava uma considerável parcela da população em condições indignas de miserabilidade. A consequência absurda é o fato de crianças serem jogadas na criminalidade, o que fez com que a infância – o que nossa sociedade julga como o que há de mais puro e precioso – acabasse destruída em nome da necessidade de sobrevivência.
Como era moda então, o ataque ao capitalismo vinha associado à defesa do socialismo. De fato, a prosa brasileira da década de 30 do século XX assumiu ideais de esquerda. Isso explica a aproximação que o Padre José Pedro faz entre os ideais humanitários de Cristo e o adjetivo comunista. Ou o encantamento de Pedro Bala pela palavra companheiro. Ou, mais descaradamente, a pregação da revolução socialista pela descoberta do valor heróico que o trabalhador tem em suas mãos graças à greve.


A segunda versão, de 1989, é a minissérie em dez capítulos da Rede Bandeirantes de Televisão. Naquele momento o Brasil havia recentemente se redemocratizado e esse processo teve como capítulo marcante as greves operárias do ABC no final dos anos 70, projetando a figura de Lula, o qual mais tarde se tornaria Presidente da República. É curioso notar que Raimundo Loiro, pai de Pedro Bala, é apresentando como dono de uma barba cerrada, lembrando a figura daquele famoso ex-sindicalista.
Tanto na televisão como no romance a greve tornava-se instrumento para transformações positivas na sociedade. Entretanto, como a produção televisiva era veiculada num canal de comunicação cedido pelo governo, além de ser dirigida ao grande público, que longe estava de alimentar ideais socialistas – a Guerra Fria já estava chegando ao fim, já que o comunismo já não tinha mais força – todo o caráter panfletário do texto de Jorge Amado acabou desaparecendo.

Pedro Bala e Dora no filme Capitães da Areia

A terceira versão, o filme, é de 2011, ou seja, é contemporânea. É fruto, pois, de uma nova realidade. Talvez isso explique a ausência do teor político, já que houve ênfase em uma história de aventura e amor. Nem greve, nem socialismo, nem o maniqueísmo da luta de classes que alimentou o romance. Aliás, as personagens loiras, como Pedro Bala e Dora, tornaram-se aqui morenas. Até o branco Gato mudou, tornando-se negro. Numa época de concentração de esforços em nome da igualdade racial, torna-se compreensível o trabalho de não mostrar uma Bahia branqueada. E não adianta lembrar que Jorge Amado não acreditava que existisse em seu Estado alguém 100% branco ou 100% negro – todos seriam naturalmente mulatos. Cinema é feito de imagem, por isso parece que a maior preocupação na confecção da película foi fazer as massas verem essa questão étnica e não apenas compreendê-la, muito menos subentendê-la.
Enfim, com esses pequenos exemplos pincelados, percebe-se que uma obra de arte – não importa a sua qualidade – é fruto do momento em que foi gerada. Por causa disso, carregará em seu bojo os clamores que aconteciam durante a sua gestação ou até mesmo durante a sua adaptação. Como dizia Camões: "mudam-se os tempos, mudam-se as vontades".

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3 comentários:

  1. Bom dia, professor! Gostei da sua ideia de comparar as três versões e, apesar de não ter assistido à minisserie, já tinha pensado várias coisas sobre as diferenças entre livro e filme.
    Acredito que se o filme mantivesse o caráter socialista da obra, deixaria de ser "assistível", pois, como você disse, são outros tempos.
    Pensei que:
    I) A relação que existe entre Dora e os Capitães da Areia mostra que eles, no fundo, são apenas crianças que cresceram sem carinho algum. E sua relação com Pedro Bala contrasta com o hábito deste de "deitar meninas no areial", mostra-o capaz de amar.
    II) O Gato ser negro e não branco o deixou um pouco mais "malandro" do que era no livro.
    III) Não gostei da forma como Sem Pernas é pintado no filme. No livro, é a personagem mais prejudicada, seja pelo problema físico ou pelos abusos diversos que sofreu. Na minha opinião, isso se perdeu no filme.

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    Respostas
    1. I) Esse contraste você encontra no livro, mas não na minissérie. E o interessante é que você até pode fazer uma comparação com O Cortiço, pois lá Florinda é a negra só para sexo enquanto Zulmira é a branca para casar.
      II) Faz sentido.
      III) É uma pena que o filme não tenha apresentado isso. É um dos momentos mais humanos do livro, que a minissérie aproveita um pouco, esse conflito psicológico vivido por Sem Pernas. Eu o vejo como a personagem mais humana da obra. Tão humano que no meio do jeito bobo do livro ele ficou sem saída - a não ser o suicídio.

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  2. Oque aconteceu com os personagens da minisserie capitães de areia em 1989?? Por favor eu lhe emploro pela resposta !

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