quinta-feira, 16 de agosto de 2012

As inquietações de Drummond em "Sentimento do Mundo"

No post anterior foi discutido que a comemoração dos 110 anos do nascimento de Carlos Drummond de Andrade gerou um conjunto de afirmações desfocadas que atentaram contra a grandiosidade do maior poeta da literatura brasileira. Aproveitou-se então para observar que a leitura de Sentimento do Mundo (1940), obra cobrada pelos vestibulares da FUVEST e UNICAMP 2013, seria suficiente para se perceber a devida importância desse autor na literatura brasileira. Destacou-se ainda que é um livro em que o poeta abandona a postura iconoclasta típica da fase heroica do Modernismo para, mais maduro, revisar certas posturas individualistas e se abrir ao mundo em que está inserido, o que é indicado no próprio título da obra.
No presente post, vai-se enfatizar uma característica vital da obra em questão, que é a expressão das constantes inquietações de Drummond diante do mundo em que se encontra, marcado pela Ditadura Vargas, Segunda Guerra Mundial, avanço dos regimes fascistas. O poema “Elegia 1938”, recitado acima por Caetano Veloso, possibilita um vislumbre de toda essa problemática.
O primeiro ponto a ser considerado é o título. Deve-se lembrar que elegia é um canto fúnebre, triste. Anuncia-se então que o poema será a verbalização da tristeza pelo crítico momento histórico em que está o eu lírico, muito bem descrito no corpo do poema. E o interessante é que o uso da segunda pessoa (“trabalhas”, “praticas”, “amas”) acaba se confundindo com a primeira pessoa do singular, o que no fundo significa que se está lidando com uma primeira pessoa do plural. O desencanto tem, portanto, certa carga universal.
A primeira estrofe apresenta expressões como “nenhum exemplo”, “sem alegria”, o que serve para caracterizar o estilo de vida vazio apegado apenas ao cumprimento automático de tarefas cotidianas, sem aquele algo a mais que dá sentido à existência. Já o termo “caduco” piora a descrição, pois indica um universo de valores antiquados, de fracassadas utopias que não funcionam mais, mas que se perpetuam.
Nesse contexto de nulidade, o heroísmo, que deveria servir para dar ênfase à nossa existência, acaba também se esvaziando. É por causa disso que a segunda estrofe fala em estátuas que enchem as praças e que depois se recolhem para as bibliotecas. São símbolos de valores cívicos que não inspiram mais ninguém. Sintomático é pensar que inspirar é a absorção de algo. Então nada mais nos preenche. Mais uma vez a ideia do vazio.
Diante desse quadro, restaria, conforme se vê na terceira estrofe, a possibilidade do aniquilamento, não o da morte, mas o da entrega à noite, ao sono vizinho da alienação. Seria uma forma de sossegar as incômodas inquietações. Entretanto, a necessidade de trabalhar, de despertar para mais um dia de rotinas extenuantes e inúteis, mostra a força da “Grande Máquina”, do famigerado “Sistema”, que maldosamente se nutre de nossas energias, dando pouco em troca. Ou só a ração para continuarmos nutrindo esse Todo Poderoso.
Massacrado, só resta ao “bicho da terra tão pequeno” (dizeres de Camões) conviver com seus semelhantes, igualmente mortos existencialmente, a falar de novas utopias, mas sem amor. Outra saída é a entrega à poesia espiritualista, tão em moda no decênio de 1930. Entretanto, igualmente encarada ceticamente pelo poeta nessa quarta estância.
A última estrofe magistralmente fecha o poema apresentando a amargura do eu poemático em reconhecer o fracasso de seus sonhos, que se veem obrigados a serem adiados, e a incapacidade de mudar o mundo, reconhecida pela impossibilidade de dinamitar a ilha de Manhatann, símbolo do poder econômico que coloca a “Grande Máquina” em funcionamento.
É importante ressaltar que o desejo de dinamitar o templo do capitalismo não significa necessariamente que Drummond esteja assumindo posturas socialistas. Afirmar isso seria uma extrapolação de interpretação. Sabe-se que esse poeta chegou a demonstrar simpatia por esses ideais, aproximando-se do partido comunista, mas se afastou dele quando sentiu que estava se mostrando como mais uma forma de autoritarismo. O que o poeta parece expressar aqui é uma rejeição à forma da exploração do homem pelo homem, sonhando, pois, com uma sociedade igualitária, sem a “injusta distribuição”.
Enfim, “Elegia 1938” é um importante poema porque permite que se compreenda em Sentimento do Mundo as inquietudes do seu autor, consciente dos defeitos do seu hábitat, consciente também do que seria necessário para saná-lo, mas (o que é pior) mais consciente ainda da impossibilidade de efetuar esse resgate, tudo por causa principalmente da apatia em que todos, inclusive o próprio poeta, estão mergulhados. Daí a sua angústia ou até mesmo seu discreto ou calado desespero, pois, além de vítima, ele também é responsável pelo desmanche existencial de 1938. E que ainda se faz presente.

3 comentários:

  1. ‎"Aceitas a chuva, a guerra, o desemprego e a injusta distribuição
    porque não podes, sozinho, dinamitar a ilha de Manhattan." minha mãe sempre me pediu para ler Drummond, infelizmente nunca tive interesse, mas confesso que de uns tempos para cá sua ironia me conquistou, vejo com outros olhos SENTIMENTO DO MUNDO, percebo a critica do itabirano a muitos valores que não morreram.Elegia 1938 se tornou meu poema favorito, ocupando espaço com o lindo soneto de fidelidade do Vinicius, espero conhecer mais de Drummond, aguardo sua aula Lauderminha haha abrs

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    1. Que bom que finalmente você está aceitando Drummond. Mas, como dizem, tudo tem sua hora, não? Não adianta forçar. E sua mãe é muito sábia com seus conselhos.
      Ah! Também aguardo ansioso por poder dar aula desse livro. Mas pela programação ela será a última, na rabeirinha da mudança entre outubro e novembro.

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