Há muito se falou, e se falou muito, que
texto é feito da ligação entre os elementos que o compõem. Sem isso, não se estabelece
sentido. Mas existe um tipo especial de construção em que o significado só se
faz pelo contato com outro texto, imitando-o e ao mesmo tempo alterando o seu tom
original, o que no fim muitas vezes acaba provocando um efeito de humor.
Trata-se da paródia.
No vídeo acima, observamos um exemplo
desse artefato linguístico. Trata-se da cena inicial de Spaceballs (1987), do célebre diretor cômico Mel Brooks. Acompanhamos
longos e quase intermináveis 1min43s em que uma gigantesca nave espacial entra em
cena, acompanhada de uma música e sonoplastia que reforçam um clima de
titanismo. No começo a imitação é tão boa que nos sentimos confortáveis, pois nos
vemos diante de um gênero ao qual já estamos familiarizados. Os filmes de
ficção científica costumam apresentar essas entradas grandiosas. A associação
imediata que se estabelece é com o início do Episódio IV de Star Wars, Uma Nova Esperança (1977), clássico
dirigido por George Lucas:
Vemos no vídeo acima os mesmo elementos
de Spaceballs: a amplidão do espaço,
a música de tonalidade épica e a entrada grandiosa de uma nave, no caso um destroier
imperial comandado pelo vilão Darth Vader, que está perseguindo a nave
diplomática da Princesa Leia Organa. Trata-se de uma cena que dizem que
imprimiu uma maneira nova de fazer cinema: no lugar dos créditos que vão sendo
mostrados enquanto a história é lentamente apresentada, já se é jogado na
tensão de uma caçada barulhenta. Filmes nunca mais seriam os mesmos a partir de
então...
Entretanto, há ingredientes em Star Wars que o próprio George Lucas
confessou ter buscado em outra fonte, um filme que colocou a ficção científica
em um novo patamar, tirando-a da circunscrição dos filmes B. Trata-se da
obra-prima de Stanley Kubrick, 2001 – Uma
Odisséia no Espaço (1968). Basta
observar o vídeo abaixo e notar a filiação a que o épico de Lucas está filiado:
Vemos os mesmos fatores dos dois vídeos
anteriores: a amplidão do espaço, a entrada magnânima de uma nave e as tomadas
lentas e gigantescas, que deveriam ser muito mais estonteantes durante a
estreia, em 1968. Mas há algo que Spaceballs
não capturou, que é o cerne da ficção científica, que fez muitos críticos
aconselharem trocar o nome desse gênero para “ficção especulativa”. Esse
elemento dissonante é anunciado pela música, que tem um impacto diferente do dos
outros dois filmes. O Adagio do
armênio Aram Khachaturian (1903-1978) impõe à cena não um tom de grandiosidade,
mas de melancolia. Estaria Kubrick mostrando a condição humana como entediante
ou desencantada? Reforçaria essa tese o cotidiano da nave: um astronauta
exercitando-se enquanto cuida do funcionamento do equipamento e de outros
astronautas, que estão em hibernação (vemos suas câmaras na cena em questão).
Faz até lembrar o androide David (interpretado por Michael Fassbender) no
recente Prometeus (2012), dirigido
por Ridley Scott, outro filme que produz um incômodo existencial.
O modelo está então estabelecido: a ficção
científica legítima é um gênero que, por meio de uma narrativa, possibilita a especulação
sobre questões vitais da condição humana. É o que vemos em 2001 – Uma Odisseia no Espaço, em Prometeus e um pouco em Star
Wars. Mas Spaceballs não é uma
cópia fiel desses moldes, por isso seu objetivo não é possibilitar reflexões
sobre a existência. Como paródia, sua intenção é alterar, distorcer – e, a
partir daí, gerar humor. Tal fica escancarado pela frase “We brake for nobody”
(“Não brecamos para ninguém”), vinda do nosso cotidiano e que não condiz com a
realidade de uma viagem interestelar. Mas a comédia já estava garantida pela
extensão praticamente infinita da nave. E,
como já deve ter ficado claro por tudo o que foi discutido neste post, a compreensão desse fenômeno
linguístico só é possível pelo conhecimento do gênero a que está ligado. Assim,
a paródia só funciona intra e intertextualmente.
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Só as nave braaaaaaaaba!
ResponderExcluirVc achou mesmo?
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