Em vários momentos foi dito aqui nO Magriço Cibernético, e mais vezes
terá de ser dito (pois se trata de um conceito importantíssimo), que o sentido
de um texto é garantido pela ligação entre os elementos que o compõem. É também
vital lembrar que o seu significado também é garantido pelo contexto em que
está inserido, como foi visto no post de 08 de março de 2012. Nota-se, portanto, que uma leitura e uma redação
eficientes só são possíveis graças à atenção que se dá a elementos intra e extratextuais.
Assim, evitam-se problemas como os demonstrados nos posts de 01 de março de 2012, 21 e 24 de outubro de 2012. É também
essencial observar a forma em que a mensagem se apresenta, do contrário também
ocorrerão erros de interpretação, como identificado no post de 30 de setembro de 2012, em que se viu que a repetição de
ações em Chaves não é forma de representação
do inferno, mas algo comum a um seriado humorístico. Tudo isso deveria ter sido
levado em conta para evitar o escândalo que se levantou contra a charge acima,
de João Montanaro, publicada na Folha de
S. Paulo em 12 de março de 2011.
Em 11 de março daquele ano o Japão foi
vítima de um tsunami, catástrofe que
provocou comoção mundial. No dia seguinte, o jovem chargista, então com 14
anos, apresentou no maior jornal do país sua visão sobre essa grande tragédia. A
grita foi intensa, pois muitos leitores viram como falta de respeito o humor
que estaria sendo feito em cima da imensa dor dos outros. A febre do
politicamente correto tinha feito mais uma vítima.
Na verdade, a preocupação com o respeito
alheio, que inspirou o fenômeno PC, é bastante louvável, pois tem como intenção
evitar manifestações negativas muitas vezes baseadas em mero preconceito.
Entretanto, ela parece estar sendo acometida do que deveria combater, que é o
próprio preconceito, que se alimenta de ignorância. Em primeiro lugar, onde
está o humor na charge em questão? E quem falou que charge necessariamente tem
de ter conteúdo humorístico? Nota-se, portanto, o que já foi abordado no post de 11 de março de 2012: vivemos
tempos sombrios, em que as trevas estão dando voz e poder a quem não tem razão.
Portanto, aclaremos a situação.
O termo charge vem do francês e significa “carga”. Possui a ideia de algo
que recebeu uma carga, um peso. Em outras palavras, é um desenho carregado, ou
seja, em que se manifesta um exagero. De fato, muitas vezes a hipérbole pode
produzir um efeito engraçado, o que se tornou bastante comum no tipo de
publicação em análise. Entretanto, basta estudar a poesia para perceber que a
sobrecarga linguística também pode expressar uma comoção fortíssima, o que é
coerente com a presente obra de Montanaro.
Quando se tem noção de todos esses
elementos, torna-se espantoso como um adolescente tenha dado um olé cultural em
muito adulto que lhe atirou pedra. E para piorar esse contraste, basta lembrar
que a fonte de inspiração desse jovem, já indicada no título de sua obra, foi uma xilogravura japonesa do século
XIX, de autoria de Katsushika Hokusai (1760?-1849), japresentada a seguir:
O confronto entre essas duas ilustrações
possibilita perceber uma valorização da força do povo japonês, capaz de
enfrentar inúmeros obstáculos da Natureza e vencê-los. Basta lembrar que um
arquipélago tão pequeno, pobre em recursos minerais, é uma das maiores
economias do planeta. Ou notar que dois anos depois da tragédia do tsunami, que trouxe até temerosas
consequências nucleares, essa nação está praticamente pujante e refeita. Ou
ainda – e talvez principalmente – a consciência da pequenez do homem diante das
condições em que vive, como dizia Camões em
Os Lusíadas (1572):
No mar tanta
tormenta e tanto dano
Tantas vezes a
morte apercebida;
Na terra tanta
guerra, tanto engano,
Tanta
necessidade aborrecida!
Onde pode
acolher-se um fraco humano,
Onde terá segura
a curta vida
Que não se arme
e indigne o Céu sereno
Contra um bicho
da terra tão pequeno?
Enfim, muita coisa pode ser inferida,
menos uma preocupação em tirar graça do padecimento alheio. Quem foi capaz de
enxergar isso, ignorou regras básicas de interpretação de texto, como as
arroladas no primeiro parágrafo deste post.
Completamente um olé cultural,ótimo texto Lau...
ResponderExcluirConfesso a você professor que seu blog de nada me era interessante até algum tempo atrás, não por falta de conteúdo - óbviamente - mas por alienação de minha parte. Ao lê-lo com mais paciência analisando todos os comentários e ideias implícitas (muitas vezes imperceptíveis aos olhos dos jovens ou menos estudados) por você expostos creio ter encontrado enfim algo muito mais interessante para fazer do que passar tardes assistindo vídeo-aulas ou apenas "fazendo hora" pela rede. Estou ansioso por mais um post - não menos magnífico, creio eu - que está por vir este domingo. Abraço de um Biolóide!
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