domingo, 1 de julho de 2012

Velhice: para que tocar nesse assunto?


O tema de hoje dO Magriço Cibernético é inusitado porque foge do universo de valores de seus leitores. Trata-se da velhice, um assunto cuja simples nomeação já é difícil. Prefere-se por aí a expressão politicamente correta “melhor idade”, como se essa substituição fosse eliminar a carga negativa que a outra palavra traz. Para reforçar o que se diz, basta lembrar uma imagem que circulou pelo Facebook em que se contestava a ideia de que bandas como Beatles, Aerosmith, Iron Maiden, Rolling Stones fossem velhas – o correto seria chamá-las de clássicas. Por fim, em reportagens sobre mercado de trabalho fala-se muito de empresas que se incrementam ao contratar pessoas “mais experientes”. A famigerada palavra outra vez evitada.
Por que fugir do termo “velho”? Parece contraditório, ainda mais que vivemos em um país cuja população idosa se torna mais numerosa. Mas estamos na sociedade do descartável, da novidade acima de tudo. Ter idade avançada é não acompanhar isso e acabar ficando à margem. De fato, em quantas famílias os anciãos são encostados? Não se fala com eles, argumentando-se que têm a mesma conversa de sempre. O motivo, entretanto, é simples: nunca se dá verdadeira atenção a eles, faz-se de conta que se está dialogando com eles, o que acaba impedindo a alteridade, a troca de informações, valiosa para o desenvolvimento mútuo.
Não se está ignorando que a chegada da velhice traz muitos aspectos negativos, como a decrepitude física, bem observada por Drummond em “Dentaduras Duplas”, um dos momentos mais ácidos de Sentimento do Mundo (1940). Tais são bastante conhecidos. Mas o estranho é que não se comenta na mesma proporção os defeitos da infância, da adolescência e da juventude. Quando são mencionados, muitas vezes é com carinho e benevolência.
Enfim, o que temos é um mundo centrado na juventude. Basta ver quem aparece feliz nas propagandas de refrigerantes, cervejas, sucos, cremes dentais, adoçantes, caldos de galinha, automóveis. Dentro dessa lavagem cerebral, fica praticamente impossível enxergar valores positivos na velhice, que não é mais vista como fonte de uma sabedoria adquirida com o acúmulo de experiências de vida, imagem muito bem sintetizada na figura do Velho do Restelo, dOs Lusíadas (1572), de Camões. Hoje, gente idosa é ridicularizada.
Fica, portanto, consagrada a frase “envelhecer é uma merda”, tão famosa que até sua autoria se perdeu – dizem que é de Paula Burlamaqui, Rubem Braga e até, para variar, Clarice Lispector. De fato, envelhecer é uma merda porque a vida é uma merda. Ou melhor, vivemo-la como tal. Enquanto isso, vamos alimentando uma esperta indústria estética de botox, cirurgias plásticas, tinturas e quejandos. Mas será que a essência da vida está na barriga rasgada, no vigor físico, na ausência de rugas ou de cabelos brancos, na ereção eficaz?
Não temos a sabedoria simples de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa (1888-1935):

Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.

De acordo com esse poema, a chegada do nosso outono (a velhice), que já tem dentro de si a ideia de inverno (morte) deve ser acompanhada apenas da preocupação com o momento presente. Não se deve pensar mais na primavera (juventude), que já não nos pertencerá. A velhice é, portanto, o momento das folhas amarelas, que não são nem melhores, nem piores que as verdes. Apenas diferentes.
Aceitar as transformações do tempo é agir sabiamente. Mas quem o consegue? Somos tão apegados à vida que paradoxalmente não sabemos usufruí-la. Somos tão ligados à existência que a espichamos em detrimento dela própria, fazendo-a perder a intensidade. Talvez por isso desvalorizemos a velhice, pois ela é sinal de que o fim está próximo. Sinal de que não aproveitamos o quanto queríamos. Sinal do "agora já é tarde". Sinal do inexorável. Se, ao contrário,tivermos uma bem planejada passagem na terra, com cada fase aproveitada adequadamente, poderemos mudar até a nossa ideia de funeral, como no vídeo apresentado acima, do filme Sonhos (1990), de Akira Kurosawa. Ao invés da soturnidade, o festejo, a comemoração do final de um espetáculo simples e grandioso: a vida. Mas, como o próprio nome do filme indica, isso é uma fábula, um sonho, uma quimera. Infelizmente.

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