O
tema de hoje dO Magriço Cibernético
é inusitado porque foge do universo de valores de seus leitores. Trata-se da
velhice, um assunto cuja simples nomeação já é difícil. Prefere-se por aí a
expressão politicamente correta “melhor idade”, como se essa substituição fosse
eliminar a carga negativa que a outra palavra traz. Para reforçar o que se diz,
basta lembrar uma imagem que circulou pelo Facebook em que se contestava a
ideia de que bandas como Beatles, Aerosmith, Iron Maiden, Rolling Stones fossem
velhas – o correto seria chamá-las de
clássicas. Por fim, em reportagens sobre
mercado de trabalho fala-se muito de empresas que se incrementam ao contratar
pessoas “mais experientes”. A famigerada palavra outra vez evitada.
Por
que fugir do termo “velho”? Parece contraditório, ainda mais que vivemos em um
país cuja população idosa se torna mais numerosa. Mas estamos na sociedade
do descartável, da novidade acima de tudo. Ter idade avançada é não acompanhar
isso e acabar ficando à margem. De fato, em quantas famílias os anciãos são
encostados? Não se fala com eles, argumentando-se que têm a mesma
conversa de sempre. O motivo, entretanto, é simples: nunca se dá verdadeira
atenção a eles, faz-se de conta que se está dialogando com eles, o que acaba
impedindo a alteridade, a troca de informações, valiosa para o desenvolvimento
mútuo.
Não
se está ignorando que a chegada da velhice traz muitos aspectos negativos, como
a decrepitude física, bem observada por Drummond em “Dentaduras Duplas”, um dos
momentos mais ácidos de Sentimento do
Mundo (1940). Tais são bastante conhecidos. Mas o estranho é que não se
comenta na mesma proporção os defeitos da infância, da adolescência e da
juventude. Quando são mencionados, muitas vezes é com carinho e benevolência.
Enfim,
o que temos é um mundo centrado na juventude. Basta ver quem aparece
feliz nas propagandas de refrigerantes, cervejas, sucos, cremes dentais,
adoçantes, caldos de galinha, automóveis. Dentro dessa lavagem cerebral, fica
praticamente impossível enxergar valores positivos na velhice, que não é mais
vista como fonte de uma sabedoria adquirida com o acúmulo de experiências de
vida, imagem muito bem sintetizada na figura do Velho do Restelo, dOs Lusíadas (1572), de Camões. Hoje,
gente idosa é ridicularizada.
Fica,
portanto, consagrada a frase “envelhecer é uma merda”, tão famosa que até sua
autoria se perdeu – dizem que é de Paula Burlamaqui, Rubem Braga e até, para
variar, Clarice Lispector. De fato, envelhecer é uma merda porque a vida é uma
merda. Ou melhor, vivemo-la como tal. Enquanto isso, vamos alimentando uma esperta
indústria estética de botox, cirurgias plásticas, tinturas e quejandos. Mas será que a essência da
vida está na barriga rasgada, no vigor físico, na ausência de rugas ou de
cabelos brancos, na ereção eficaz?
Não
temos a sabedoria simples de Ricardo Reis, heterônimo de Fernando Pessoa
(1888-1935):
Quando, Lídia, vier o nosso outono
Com o inverno que há nele, reservemos
Um pensamento, não para a futura
Primavera, que é de outrem,
Nem para o estio, de quem somos mortos,
Senão para o que fica do que passa
O amarelo atual que as folhas vivem
E as torna diferentes.
De
acordo com esse poema, a chegada do nosso outono (a velhice), que já tem dentro
de si a ideia de inverno (morte) deve ser acompanhada apenas da preocupação com
o momento presente. Não se deve pensar mais na primavera (juventude), que já
não nos pertencerá. A velhice é, portanto, o momento das folhas amarelas, que
não são nem melhores, nem piores que as verdes. Apenas diferentes.
Aceitar
as transformações do tempo é agir sabiamente. Mas quem o consegue? Somos tão
apegados à vida que paradoxalmente não sabemos usufruí-la. Somos tão ligados à
existência que a espichamos em detrimento dela própria, fazendo-a perder a
intensidade. Talvez por isso desvalorizemos a velhice, pois ela é sinal de que
o fim está próximo. Sinal de que não aproveitamos o quanto queríamos. Sinal do "agora já é tarde". Sinal do inexorável. Se, ao contrário,tivermos uma bem planejada passagem na terra, com cada fase aproveitada adequadamente, poderemos mudar até a nossa ideia de funeral, como no vídeo apresentado acima,
do filme Sonhos (1990), de Akira
Kurosawa. Ao invés da soturnidade, o festejo, a comemoração do final de um espetáculo simples e grandioso: a vida. Mas, como o próprio nome do filme
indica, isso é uma fábula, um sonho, uma quimera. Infelizmente.
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