Dizem que a arte imita a vida. Outros, que a vida imita a arte. Qual dos dois postulados é o correto? Melhor deixar esse embate de lado e ver que muitas vezes de forma simbólica a arte que menos quer se aproximar da vida, que menos quer mimetizá-la, é a que melhor a representa. É a que tem coragem em tocar em pontos que a razão não vê. Ou tem preguiça de ver. Ou não tem coragem.
O vídeo acima, comecinho do filme Sonhos (1990), de Akira Kurosawa, é um exemplo do que se está afirmando. Faz-nos desconfiar da razão do fracasso que tem ocorrido no que se refere a questões ecológicas. E há vários exemplos: Protocolo de Kyoto, Rio +20, Novo Código Florestal, Belmonte... Um lado se queixa da derrocada de ideais verdes. O outro comemora o estabelecimento de propostas factíveis. Uns parecem querer que voltemos às cavernas. Outros parecem contentes com o status quo, pois o poder financeiro não foi incomodado.
Para piorar a situação, espalham-se notícias que tiram a questão do foco. O anúncio sobre os efeitos do aquecimento global foi exagerado. Automaticamente já se acha que tudo está bem, que nada mais precisa ser feito. Continuaremos a poluir a atmosfera com a queima de antiquados combustíveis fósseis. Contanto que não usemos mais sacolinhas plásticas ou que não tomemos mais banho todos os dias e já estaremos contribuindo para o equilíbrio do planeta. E insistimos em deslocar pedaços de metal com um único passageiro – queimando combustível fóssil. E nos preocupamos se um shopping em Higienópolis tem o número adequado de vagas em seu estacionamento – queimando combustível fóssil – e simultaneamente somos contra o metrô no mesmo bairro – que possibilitaria menor queima de combustível fóssil...
O que parece dominar a curiosa espécie humana é a inércia somada de irresponsabilidade. Somos a criança do filme de Kurosawa. Estamos encantados com nossa capacidade de homo faber, fascinados pelas nossas engenhocas. Estamos seduzidos pelo nosso brinquedinho chamado Ciência. Compramos o mito do episódio do Gigante Adamastor, de Os Lusíadas (1572), de Camões, segundo o qual o papel do homem é dominar a natureza, impedir que esta lhe seja obstáculo. Vemo-lo novamente no Fausto (1808), em que o protagonista se dedica à sanha de construir, de fazer, de alterar o ambiente. É o início do mal contemporâneo, bem descrito por Zygmunt Bauman no seu Modernidade Líquida (2000): ação desenfreada sem se saber para o quê. É o mal já profetizado por Eça de Queirós em A Cidade e as Serras (1901), em que vemos o Jacinto sempre modernizando seu palacete do 202 na ânsia de que a Ciência e a Técnica dominassem os elementos e parassem de falhar.
Entretanto, não percebemos que nossas intervenções na natureza são toscas. Para se clonar uma ovelha, quantos erros e aberrações acabaram sendo produzidos? Não conseguimos sequer reverter os danos da poluição que provocamos. Não temos uma política efetiva de utilização racionável e reciclável de nossos resíduos. E ainda achamos, em nosso egocentrismo, que nossas ações destruirão a natureza e não percebemos que ela pode até ser alterada, mas sobreviverá. Ao passo que nós...
Eis a tão avançada espécie humana. Na verdade, somos desastrados, atroados, espalhafatosos. Enfim, somos o que o belíssimo Sonhos nos mostra: uma criança que inadvertida e teimosamente mergulha nos segredos da natureza, segredos que ela não pode ver. É sonhar que um dia amadureçamos. Mas haverá tempo para isso?
eu acho que a sociedade é muito alienada, ninguem sonha mais ninguem tem vontade de fazer algo diferente, as pessoas so continuam sobrevivendo.
ResponderExcluirGaia, eu não sei se a sociedade em geral só continua sobrevivendo. Muitos creio que sim. Mas acho que outros só pensam no momento, ou sendo hedonistas, ou sendo meros capitalistas. Falta utilização da consciência. É uma inércia que faz com que as coisas vão apenas sendo levadas, levadas, levadas...
ResponderExcluirQue texto bonito Laudemir - quimando combustível fóssil. Uma vez assistindo George Carlin pensei que talvez ele estivesse certo ao dizer que "O planeta está bem, as pessoas que estão ferradas". Afinal de contas o planeta já está aqui a 4,5 bilhões de anos, enquanto nós, talvez 100 ou 200 mil anos, e engajados na indústria cerca de somente 200 anos, e de alguma forma pensamos ser alguma ameaça. O planeta já passou por piores momentos do que nós, inversão magnética dos pólos, explosões solares, eras glaciais, super aquecimentos. O que nos faz pensar que algumas latas de alumínio ou sacolas plásticas vão fazer diferença? O planeta não vai pra lugar nenhum. Nós vamos embrora! O problema é que muitas pessoas acham que reciclar é bonitinho, que economizar a água é legal, vai salvar o planeta. Essa água que vemos esta aqui há 4,5 bilhões de anos, já que o planeta é um sistema fechado. Essas pessoas não percebem que as propostas sustentáveis são para salvar sua vida, sua espécie. Se tudo der errado, o planeta continua, iremos no máximo deixar um pouco de isopor talvez, e a Terra vai se ocupar em reintegrá-lo. Enquanto nós seremos um erro, apenas mais um beco sem saída evolutivo. E o planeta vai continuar aqui por um longo tempo depois da nossa partida, vai se curar, limpar, por que é isso que ele faz, é um sistema que se auto-corrige. O ar vai se recuperar e a água também. E se é verdade que o plástico não é degradável, o planeta deve simplesmente incorporar, criando um novo paradigma, Terra+plástico, afinal o plástico foi criado a partir da Terra. Quem sabe essa foi a única razão pela qual a Terra nos deixou ser criados a partir dela, queria plástico, não sabia como fazer. Precisava de nós.
ResponderExcluirBonito o seu texto. Mas espero que você não tenha pensado que eu acredito que não devemos nos preocupar com poluição.
ExcluirNão entendo como o homem quer dominar uma força tão incontrolável (natureza) se mal consegue dominar a si mesmo. O que vemos hoje em dia nos principais meios de comunicação do país é uma vergonha alheia. A cada dia os instintos primitivos dos seres humanos estão cada vez mais em evidência, seja nas tramas, filmes e etc...o que vemos é sexo, traição, desonestidade, consumismo, ambição, falta de domínio próprio, falta de amor ao próximo. Esbanjadores de uma vida sem propósito que apenas buscam realizar os seus desejos sem sequer dar o "trabalho" de pensar nas consequências. Uma sociedade imediatista, manipuladora e inconsequente, que não mede esforços para satisfazer o egocentrismo dominante em TODAS as classes sociais e utiliza a natureza de forma equivocada como principal meio para obter os recursos necessários para serem aplicados no que eles chamam de "ciência", que muitas vezes é benéfico para a sociedade, mas na grande maioria das vezes o planeta paga um preço muito caro. Que ciência é essa como você mesmo citou Laudemir que sacrifica animais para obter um clone de uma ovelha? Agora eu me indigno e lhe pergunto: Para que o clone? Que evolução é essa que propõe o abandono da individualidade, do amor ao próximo, da destruição da natureza e do seu semelhante (vide o orçamento exorbitante que é gasto na indústria bélica). Infelizmente fomos dominados pela indústria que visa o lucro (não serei hipócrita e me incluo também). Mas o preço que estamos pagando pela satisfação dos nossos desejos inadiáveis é caro, muito caro, imagina o que pagará os meus netos....forte abraço! Renato Borim!
ResponderExcluir