domingo, 12 de abril de 2015

O sorriso de Mona Lisa: outra lição de texto



Em 22 de março de 2015, O Magriço Cibernético aproveitou o quadro Mona Lisa, que Leonardo da Vinci pintou por volta de 1505, para abordar aspectos aos quais todos devem prestar atenção durante o exercício de leitura. Tratava-se naquela ocasião de destacar fatores intratextuais. Hoje, a proposta é utilizar a mesma obra para discutir a relação estabelecida com elementos extratextuais, importantes para a arte da interpretação.
Durante a análise de um texto, é válido buscar ingredientes que estão fora dele para atribuir-lhe um valor mais completo. E esse esforço vem sendo feito durante séculos para explicar o misterioso sorriso de Mona Lisa. Pode-se, por exemplo, lembrar que essa obra pertence ao Renascimento, período em que foram recuperados ideais da cultura clássica como os ligados a razão, harmonia e equilíbrio. Dessa forma, a expressão facial da retratada atenderia a esse universo de valores, pois representaria o princípio de serenidade a que toda mulher deveria submeter-se.
Já durante o Romantismo outro conjunto de ditames subiu à tona, destacando a imagem da superioridade feminina graças a um suposto princípio de mistério e sedução. O enigmático sorriso de Mona Lisa então passaria a simbolizar essa postura que todas deveriam atingir, ou, pelo menos, valorizar.
Com o surgimento desse novo universo de valores, ampliou-se a autorização para a intervenção de outros elementos externos na significação do célebre quadro renascentista. Aqueles que bebem da fonte da psicanálise, crentes na teoria freudiana da bissexualidade humana, enxergam na representação da Gioconda o rosto do próprio pintor. Para tanto, baseiam-se no fato de o rosto de Leonardo da Vinci, sobreposto ao da retratada, conseguir um encaixe perfeito. Como a forma e a proporção dos elementos da face são exclusivos de uma pessoa, obter-se-ia uma prova de que a célebre figura feminina nada mais é o do que o autor travestido. O mais curioso é que o próprio Freud tinha outra visão, acreditando que a figura exibida era a projeção da imagem da mãe do artista, morta ainda na infância deste.
Os fanáticos por Medicina, ou pelo menos por Biologia, descarregam nessa obra outra sorte de sentidos. Há os que entendem que os lábios da Mona Lisa expressariam uma tensão típica de quem sofre de bruxismo. Outros defendem que são sinal de que a personagem demonstraria sinais de um leve acidente vascular cerebral, o conhecido avc ou derrame. Há os que asseguram que ela teria sido acometida por paralisia facial. Alguns, mais recatados, creem que a modelo sofria de dor de dente. Existem ainda os que, dentro desse campo, supõem que a forma misteriosa que os lábios fazem se deveria a nada menos do que o incômodo pelo uso de dentes postiços. Por fim, não se pode esquecer aqueles que atribuem a fonte desse enigma a uma mera questão de saúde de da Vinci, que, sofrendo de degeneração da mácula, teria composto sua obra prima sob influência de sua visão periférica.
Ainda no campo do reducionismo interpretativo, existem os que dizem que o enigmático sorriso é apenas o efeito do tempo alterando fisicamente a pintura, produzindo ranhuras na tinta, o que alterou o jogo entre luz e sombra.
A mais nova interpretação de que se tem notícia vem da neurolinguística, ciência que tem atraído a atenção da mídia nos últimos tempos. Para esse setor, trata-se da maneira como a interpretação pode ser reação de estímulos externos. Quando olhamos para um retrato, 5% de nossa visão, preocupada com foco, concentram-se nos olhos – que em Mona Lisa estão iluminados. Nesse exercício de atenção, a visão periférica, que ocupa 95% desse trabalho sensorial, fica atraída pelos elementos escuros da pintura, o que provoca uma leve distorção na percepção que temos dos lábios da Gioconda – daí a sensação de seu sorriso. A prova dessa teoria é que, quando se focaliza apenas a boca dessa mulher, todo esse conjunto de distratores perde o efeito, fazendo sumir o sorriso.
Toda essa miríade de teorias dá a impressão de que a leitura de um texto é um exercício ao mesmo tempo caótico e permissivo. Na verdade, a busca de elementos externos tem que encontrar correspondência com os internos. Por mais interessante que seja uma teoria, se ela não encontrar elementos dentro do próprio texto que a sustentem, tem de ser abandonada, mesmo que isso represente um exercício doloroso. Em outras palavras, devemos buscar em um texto o que está nele, sem transferir para ele nossas crenças, neuroses ou paixões. Não respeitar isso é atentar contra a verdade. E impedir que um texto sorria para nós.






Um comentário:

  1. Eu vejo o que vc escreve no blog, o que escreve/compartilha no Facebook, e puxa, nem parece a mesma pessoa que eu vejo nas aulas. Quero dizer, vc escreve coisas interessantes, profundas, mas, em aula, acho que vc consegue ser apenas uns 50-60%. Claro que em aula não dá para ser 100% sério e sisudo para uma centena de alunos, mas acho que tem muito conhecimento aí na sua cabecinha que vc não quer compartilhar...
    PS1: vc podia liberar os comentários no Face para todo mundo, não só para quem é seu amigo; acho q vc nem pode mais aceitar amigos...
    PS2: essa semana, eu quero ver na lousa "Laudaenerys" - não vai esquecer! Abs!

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