Em 31 de março (ou 21 de março, conforme
o calendário adotado) comemoramos o nascimento de Johann Sebastian Bach
(1685-1750), para muitos o maior nome da música erudita. É por esse motivo que O Magriço Cibernético lembra uma data tão
valiosa trazendo algumas obras capazes de mostrar o talento desse grande
artista.
A primeira delas, exibida acima, é o Magnificat (1723), cuja letra é bastante
significativa. Trata-se da primeira frase que Maria diz, na Bíblia, ao receber
do anjo Gabriel a notícia de que será mãe de Cristo: “Magnificat anima mea
Dominum” (“Minha alma engrandece o Senhor”). De certa forma, serve como
representação do papel de Bach na cultura universal: sua habilidade elevou a
música a padrões praticamente divinos.
Na verdade, a técnica desse compositor
atingiu níveis folclóricos ou até mesmo míticos no universo musical. Reza a
lenda quem em 07 de maio de 1747 Bach encontrou-se com o rei Frederico II da
Prússia, que exigiu do artista a criação de uma música a partir de um tema até
então visto como infrutífero. A intenção do monarca, ao nem deixar Bach descansar
de tão longa viagem que acabara de fazer, era bastante clara: rebaixá-lo,
mostrando-o como um músico ultrapassado. Inútil: o artista conseguiu criá-la de
improviso. No entanto, o regente, não contente, exigiu mais outra peça. O
desafiado sabiamente pediu um tempo para descanso – ou para fugir da armadilha.
Dias depois, a humilhação mudava de mão: Bach apresentara não uma, mas mais de
uma dúzia de músicas (uma delas uma sonata completa), todas variações do mesmo
tema.
O mais incrível é que essas habilidades eram
fruto de um cérebro extremamente prático. Bach certa vez se queixou da falta de
falecimentos onde estava, pois isso diminuía a quantidade de encomendas
musicais, acarretando-lhe prejuízo econômico. É interessante ter noção da
existência de um espírito tão pragmático para paradoxalmente desdivinizar sua
produção e enaltecê-la de forma mais justa. Em outras palavras, devemos tirar
os clichês simplistas e, assim, enxergar melhor sua grandiosidade.
Como exemplo desse esforço de
desembaçamento da visão sobre a obra de Bach, basta lembrar a arquifamosa Tocata e Fuga em Ré Menor (composta
entre 1703 e 1707). Trata-se de uma peça a que sempre se associou a ideia de
soturnidade, de fantasmagoria, chegando-se a imaginar que fora composta em
algum momento conturbado. Na verdade, sua criação se dera em uma das fases mais
felizes do compositor. E sua intenção era apenas experimentar, como em um
exercício lúdico, as múltiplas possibilidades de emprego do órgão (ou do
violino, já que há quem imagine que ela tenha sido composta originalmente para
tal instrumento):
Talvez esteja neste ponto a riqueza da
arte de Bach: ele consegue ser tão excelso partindo de princípios tão
pragmáticos, muitas vezes praticamente matemáticos. É o que se nota em O Cravo Bem Temperado (1722), conjunto
de peças para teclado composto apenas para lição ou mero entretenimento. Mais
uma vez, sua arte foi de suplantação, a ponto de, no exemplo a seguir, nascer
de uma mente protestante e acabar, no nosso imaginário (graças, 137 anos
depois, ao compositor francês Charles Gounod), sendo associada à Virgem Maria:
Dessa forma, podemos entender que a arte
de Bach é capaz de extravasar limites. Não é à toa que nos idos dos anos de 1970
a sonda Voyager, da NASA, carrega em um disco dourado o Concerto Brandemburguês número 2 (1721), para que, na remota
hipótese de a astronave ser interceptada por civilizações alienígenas, permita
que se conheça o que de melhor a espécie humana produziu. A gravação que será
ouvida pelos extraterrestres é exatamente a seguinte:
O inusitado é que esse e os outros cinco
concertos de Brandemburgo, considerados o mais perfeito exemplo da música
barroca, foram apresentados por Bach a Cristóvão Ludovico de
Brandemburgo-Schwedt, marquês de Brandenburgo, que nem lhes deu atenção,
deixando-os esquecidos em sua biblioteca, só sendo redescobertos em meados do
século XIX. Hoje, nem se fala mais desse nobre, ao passo que o desprezado
atingiu fama que se poderá dizer interestelar.
A conclusão a que se chega é necessariamente
de estilo repetitivo, pois a música de Bach é de engrandecimento múltiplo. Não
apenas ele engrandeceu esse trabalho estético, como se engrandeceu como homem e
artista. Engrandeceu também a relação entre o engenho e a arte, permitindo que,
a partir de ingredientes tão pragmáticos, o excelso fosse alcançando. O resultado
final é o engrandecimento de nossa alma, que assume nada menos do que a
obrigação de engrandecer nesta data esse inigualável músico. Só ele é capaz de
nos fazer dizer, com dignidade, como na música a seguir, continuação de Magnificat, que “o meu [nosso] espírito
se exultou” (“Et exultavit spiritus meus”):
Que texto bonito, bem escrito...mais uma vez parabéns, Lau
ResponderExcluirMuito obrigado, meu caro! Muito obrigado!
ExcluirDoce deleite... Ótima leitura!!
ResponderExcluirMuito obrigado por sua visita, leitura e elogio!
ExcluirMuito bem feita sua pesquisa, lau. Vou passar a visitar mais seu blog.
ResponderExcluirObrigado pela visita e pelo elogio. De fato, sou apaixonado por música barroca e Bach é um dos meus prediletos. Vivo ouvindo essas composições. Parecem até que já fazem parte de minha alma...
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