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No começo deste mês, alguns jornais publicaram
a foto (vista acima) de Paulo Henrique, 9 anos, mergulhando no esgoto do canal
do Arruda, em Recife. O que levou esse menino a fazer algo tão nojento quanto
inacreditável? Os 200 reais mensais que sua mãe recebe como faxineira são
insuficientes para o sustento da família, por isso o garoto tem de entrar
naquela água imunda e fétida para catar latinha para reciclagem. Obtém no
máximo 10 reais por dia. Trata-se, sem dúvida, de um fato chocante, mas que
passou quase despercebido do grande público, afogado em acontecimentos não
menos importantes como o uso de beagles para pesquisa cosmética, a ostentação
vazia e ingênua do rei do camarote, a rebeldia mimada e delinquente de Justin
Bieber, o assassinato cruel e inexplicável do pequeno Joaquim e as primeiras
prisões ainda que tardias dos participantes do escândalo do mensalão.
A mãe de Paulo Henrique confirma ter
preocupação com essa atividade do filho, pois teme que ele pegue alguma doença.
Na verdade, o contágio já se efetivou e está há muito disseminado, mas não só
no garoto. Ele é só a pontinha do iceberg
que flutua nesse esgoto. O resto engloba todos os fatos listados acima, que
curiosa e paradoxalmente, submersos, ajudaram a ocultar o drama social dessa
família. O pequeno é a parte mais visível de um problema, tornado invisível. É
mais um entre tantos incômodos que fazemos de conta que não existem. Enquanto
as prefeituras não “higienizam” essa realidade, nosso olhar seletivo
preocupa-se em fazer de conta que ela não está aí.
Às vezes, certos malucos quebram esse
esquema de apatia, conformismo, comodismo, egoísmo e cegueira. Alguns deles são
os literatos. Em 1973, por exemplo, época do milagre econômico que gerou muito
do que o Brasil é hoje, José Paulo Paes publicava Meia Palavra, no qual se encontra o poema “Seu Metaléxico”:
desenvolvimentir
utopiada
consumidoidos
patriotários
suicidadãos
Páginas e páginas de filosofia,
sociologia e história foram gastas para analisar o Brasil. De maneira
igualmente competente, mas bem mais concisa, Paes dá sua explicação por meio da
fragmentação e recombinação de palavras, produzindo efeitos bastante
chamativos. Ao misturar, por exemplo, “economia” e “miopia”, transmite a ideia
de que as políticas econômicas não enxergam o verdadeiro problema da nação.
Basta lembrar que com a crise de 2008, provocada de certa forma pelo excesso de
consumo nos EUA, a tática usada tanto lá quanto aqui foi justamente criar
linhas de crédito. É como jogar gasolina para apagar incêndio. Não se repensou
todo o nosso sistema de valores, o que nos levaria a concluir que não
precisamos de tanto – podemos ser mais felizes com bem menos. Para que ter
sempre o carro do ano? Para que ter sempre a mais nova versão de smartphone? Para que ter sempre a última
roupa da moda? Por que esse consumo insano e desenfreado tornando-nos “consumidoidos”?
Estamos nos matando para sempre ter, esquecendo o mais vital, que é viver. Somos
“suicidadãos”.
Haveria um ideal nobre sustentando esse
nosso comportamento: nosso consumo faz a economia girar, gerando mais riqueza
para o país. Trata-se, na verdade, de uma “utopiada”, uma utopia que não pode
ser levada a sério. Quem tem coragem de falar para Paulo Henrique sobre essa
pujança econômica do Brasil, a 6ª do mundo? Só um “patriotário” teria essa
disposição. Ou o garoto do esgoto é um dano colateral? Um caso perdido? Então a
política desenvolvimentista brasileira é uma mentira (“desenvolvimentir”), pois
não produz igualdade social. Ou esta seria mais uma utopiada?
Dessa forma, entende-se que a
literatura, por meio do uso estético da linguagem capaz de afetar nosso
aparelho emotivo, muitas vezes serve para acender uma luz em meio à escuridão
alienante, funcionando como instrumento de resistência ao descalabro em que se
encontra a sociedade. Não é essa a sua principal função, mas, quando bem
realizada, faz-nos ter esperança na espécie humana. Mesmo quando a mensagem é
pessimista, é sinal de que nem tudo está perdido.
Resumos, análises e comparações.
Para compra o seu,
Bubu,
ResponderExcluirLau-Lau,
Muito bom o texto, enquanto milhares discutem e compartilham sobre o dito rei dos camarotes exuberando gastos e luxos, muitos Paulo Hinrique´s sofrem a maldita miséria no Brasil.
Até quando vamos ver essa desgraça? será que um dia isso vai mudar?
assim como vc tenho esperança que por meio da literatura e outros caminhos podemos mudar essa situaçao lamentável.
bjabraços
Fico feliz em você garantir que não estou sozinho... E obrigado por visitar O Magriço Cibernético!
ExcluirEsse trecho: "Mesmo quando a mensagem é pessimista, é sinal de que nem tudo está perdido." me fez lembrar de um verso: "Onde estiver, seja lá como for, tenha fé!Porque até no lixão nasce flor." do Racionais mc's. Ótimo texto Lau, parabéns! =)
ResponderExcluirNão conheço essa música dos Racionais. Sabe o nome dela?
ExcluirE obrigado pela visita e pelo elogio!