Nos posts
de 01 de abril de 2012 e 27 de outubro de 2013 falou-se de paródia. Ficou claro
que se trata de um texto que imita outro, alterando seu tom original, o que
provoca efeito humorístico. Esse procedimento, no entanto, não pode ser
confundido com intertextualidade, que é a referência que uma obra outra faz de
outra, muitas vezes incorporando seus elementos. É o que acontece no comercial
acima, do Focus.
Inicialmente, deve-se lembrar que a
propaganda é um texto que tem a função de divulgar um produto. Para tanto,
utiliza-se de inúmeros recursos com a intenção de chamar a atenção do receptor
para a mensagem que está sendo divulgada. Para tanto, na peça acima, a modernidade
do veículo é ressaltada graças à comparação com os avanços vistos em filmes de
ficção científica. Nesse ponto, ocorre a intertextualidade.
Um cinéfilo refinado notaria que a peça
publicitária utiliza uma música com violinos em crescendo, criando um clima
épico. É uma composição praticamente gêmea da que aparece em Batman: O Cavaleiro das Trevas Ressurge (2012).
Entretanto, mergulhemos em outras associações mais simples.
A primeira referência que se estabelece
é com a saga Star Wars. A publicidade
abre com uma impactante corrida de veículos, o que nos faz lembrar a cena da pod race, apontada como a única de valor
no Episódio I: A Ameaça Fantasma (1999),
e que na verdade era por sua vez uma intertextualidade com a corrida de bigas
de Ben Hur (1959).
Pouco depois, aparece uma agitada e
lotada avenida aérea. Ocorre agora uma referência à paisagem de Coruscant, a
capital do Império, vista nos episódios I, II (2002), III (2005) e VI (1983) de
Star Wars.
Em seguida, a propaganda mostra o Focus
estacionando automaticamente. Seu design robusto
contrasta com o caráter exótico dos longilíneos veículos que também parqueiam
sozinhos. Estabelece-se uma ligação com Eu,
Robô (2004), em que se depara com a comodidade de locomoção e garagens
automatizadas.
Logo após, vemos uma cidade noturna e
chuvosa, como imensos painéis propagandísticos digitais com a figura de uma
japonesa. Pratica-se aqui uma intertextualidade com Blade Runner (1982), filme que se passa na sombria Los Angeles de
2019.
Por fim, o veículo é visto em
aceleração, emparelhado com outros dois em um cenário dominado pelo neon. Manifesta-se
a associação com a corrida de motos em Tron
– O Legado (2010), filme que parece ter caprichado no visual futurístico
retrô – e só.
Essas referências que a peça
publicitária faz a várias obras cinematográficas de ficção científica consiste,
portanto, como já se falou, no recurso conhecido como intertextualidade. É o
que se manifesta, por exemplo, na canção “Até o Fim” (1978):
O ouvinte com um bom repertório
cultural, ao ouvir o início da composição, imediatamente se lembra da primeira
estrofe do primeiro poema (“Poema de Sete Faces”) do primeiro livro de Carlos
Drummond de Andrade, Alguma Poesia (1930):
Quando nasci, um
anjo torto
desses que vivem na
sombra
disse: Vai, Carlos!
ser gauche na vida.
Em ambos os textos ocorre o nascimento
do enunciador sendo visto de forma simbólica, nele ocorrendo um anjo que
vaticina, que marca o destino daquele que acabava de vir ao mundo.
Carlos Drummond de Andrade |
É importante lembrar que a
intertextualidade não constitui plágio. A incorporação de elementos de um texto
em outro não tem relação com esse crime empobrecedor. Na verdade, a graça desse
expediente está em fazer com que o interlocutor perceba as fontes que estão
sendo mencionadas. Além disso, não é um expediente de falta de criatividade, de
penúria intelectual, mas um processo enriquecedor que é fruto da comunicação
entre textos. O que lembra bem o slogan da
propaganda do Focus (“tecnologia do futuro na sua garagem”): é colocar os
ingredientes dos outros no seu texto.
Resumos, análises e comparações.
Para comprar o seu,
Está de parabéns de novo, Laudelírio. Até mesmo sobre uma propaganda de um carro podemos fazer análises, caso, é claro, tenhamos bagagem cultural para fazê-lo. Há uns 4 anos passava um programa no canal Multishow chamado Na Hora do Intervalo, em que eram exibidos comerciais que se destacaram pela sua complexidade, duplo sentido, beleza etc. Vi vários reclames (como diz minha bisavó) sobre os quais poderíamos fazer análises semelhantes.
ResponderExcluirEu gostava muito desse programa do Multishow! E curtia quando aparecia propaganda brasileira. Lembro de uma vez daquela das formiguinhas que aproveitavam a potência de um aparelho de som. Era engraçado vê-las praticando esporte radical sendo
Excluirarremessadas pela caixa acústica. Lembra?
ExcluirMuito bom texto. Vale lembrar um erro cometido por eles ao colocarem Star Wars como um filme futurista.
ResponderExcluirMuito boa a sua observação! Nem tinha me tocado dessa inoperância classificatória!
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