Todo final de ano nos vemos mergulhados
em tanta correria – compra de presentes, preparação para festas – que acabamos perdendo
o sentido desse ritual em que nos encontramos. Por sorte, a música, metáfora da
perfeição do universo, pode ajudar a recuperá-lo. Para tanto, serão analisados
dois trechos do oratório Messias (1741),
de Handel (1685-1759).
Como já abordado no post de 19 de fevereiro, o Barroco, estilo ao qual pertence
a peça aqui ouvida, tem a capacidade de representar ideias por meio de sons
esteticamente combinados. Assim, o vídeo acima nos mostra o casamento
sublime entre texto escrito e texto auditivo. A começar, ouvimos um trecho de Isaías 60, 2-3:
For behold,
darkness shall cover the Earth, and gross darkness the people: but the Lord
shall arise upon thee, and his glory shall be seen upon thee. And the Gentiles
shall come to thy light, and kings of the brightness of thy rising.
De acordo com a Bíblia de Jerusalém, da Editora Paulus, a tradução seria:
Com efeito, as
trevas cobrem a terra, a escuridão envolve as nações, mas sobre ti levanta-se
Iahweh e a sua glória aparece sobre ti. As nações caminharão na tua luz, e os
reis, no clarão do teu sol nascente.
De fato, a sonoridade arrastada e
sombria com que a música começa, seguida pela voz grave do cantor pronunciando
palavras de vogal fechada, ressaltam a escuridão que se abate, representando as
dificuldades que encontramos no decorrer do ano, o que dá a dezembro um ar de
cansaço. Mas a partir da palavra “Lord” tudo se ilumina e os violinos
apresentam sons mais agudos. E note a forte presença de ditongos abertos: “arise”, “Gentiles”, “thy”,
“light”, “brightness”, “rising”. Isso se soma ao fato
surpreendente de serem expressos por um baixo. É como se a mensagem fosse
a de que no meio da escuridão surge sempre a luz.
Iconografia do século XVIII presente no mosteiro de Kizhi, Karelia, Rússia |
Então se passa para Isaías 9, 1:
The people that walked in darkness have seen a great light, and they
that dwell in the land of the shadow of death, upon them hath the light shined.
A tradução, da mesma fonte que a de acima:
O povo que
andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma
terra sombria como a da morte.
Nesse ponto, volta-se à escuridão do
tema, da sonoridade da orquestra e da voz do baixo, concentrada na sintomática
palavra “darkness”, que sofre um contraste – expediente típico do Barroco – com o vocábulo “light”, que traz no seu bojo a própria ideia de luz. Esse processo
se repete de forma mais intensa com a expressão soturna “shadow of death”, que
sofre o embate do igualmente intenso sintagma “light shined”. Resultado: trevas
expulsas, por isso a peça termina com violinos em notas agudas.
Abre-se caminho para o próximo passo do
oratório, que se baseia em Isaías 9,
5:
Seu texto é o seguinte:
For unto us a child is born, unto us a son is given, and the government
shall be upon his soulder, and his name shall be called Wonderful, Counsellor,
the mighty God, the everlasting Father, the Prince of Peace.
Cuja tradução, de acordo com a mesma
fonte, é:
Porque um menino
nos nasceu, um filho nos foi dado, ele recebeu o poder sobre seus ombros, e lhe
foi dado este nome: Conselheiro-maravilhoso, Deus-forte, Pai-eterno,
Príncipe-da-paz.
Aqui já se manifesta o espírito que deve
prevalecer no final de ano, cuja essência não é o consumismo disfarçado na
grata troca de presentes. Sua bela simbologia na verdade transcende as questões
religiosas, servindo até para agnósticos e ateus. Tal está representada na força
das saltitantes e agudíssimas notas presentes já desde a graciosa explosão do
começo dessa música. Tudo é luz, alegria, confiança representadas no nascimento
de uma criança que terá sobre os seus ombros o poder do surgimento de um novo
mundo, de uma nova vida. Enfim, a esperança de que os momentos difíceis e sombrios
pelos quais passamos no decorrer de 2012 abrirão caminho para muito saber,
amadurecimento e felicidade em 2013. Essa é a mensagem que deve ficar em nossas
mentes nas próximas duas semanas.
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