No próximo final
de semana ocorre mais uma edição do ENEM, prova que, apesar dos tropeços
dos últimos tempos, conseguiu ganhar importância no universo dos
vestibulandos. Infelizmente, de um valioso termômetro do nível de ensino
do País, transformou-se em um gigantesco vestibular, além de ferramenta de marketing de inúmeras utilidades.
Entretanto, é mais útil discutir o que o examinando precisa ter
em mente neste domingo na prova de Linguagens, Códigos e suas Tecnologias.
O ENEM avalia
competências e habilidades (o que não significa que não tenha vez por outra um
lado conteudista). Assim, o que o candidato precisa demonstrar é sua
capacidade de leitura e interpretação de diferentes tipos de texto, a
matéria-prima da prova. Dessa forma, é importante reconhecer e compreender
diversas modalidades textuais e captar como elas funcionam socialmente.
Portanto, deve-se entender, por exemplo, que um cartaz apresenta concisão e
ligação entre imagem e código verbal em nome da comunicação imediata, ou que um
editorial apresenta elementos argumentativos, que uma propaganda tem
preocupação em fixar a mensagem na mente no leitor, que uma charge sintetiza em
imagem algum tema de clamor social.
Além disso, o
candidato deve saber relacionar diversas espécies de texto, verbais ou imagéticos,
buscando não apenas semelhanças, mas também diferenças. Ou então reconhecer
neles quais são os objetivos do seu autor e a que público se dirige. Num
romance de José de Alencar, por exemplo, a descrição idealizada pode
servir para revelar que o escritor ou queria sofisticar o seu leitor, ou tinha
em mente que quem degustava sua obra era preocupado com ostentação de luxo. Por
fim, deve-se também detectar que estratégias um texto possui para influenciar o
seu receptor. Basta lembrar que é comum propagandas de cerveja sempre
apresentarem gente feliz degustando o produto, dando a entender que se trataria
de um vital elixir da bem-aventurança.
No fundo, o que o
estudante vai ter de captar são os mecanismos de funcionamento de um texto,
perceber que palavras servem para conectar ou retomar ideias, quais termos têm
o dom de resumir ou simbolizar pensamentos ou conjunto de valores.
Assim, é de vital importância saber detectar a função da linguagem
predominante - quando em Memórias Póstumas de Brás Cubas o narrador
confessa no primeiro capítulo que por um bom tempo hesitou se começava sua
biografia pelo nascimento ou pela morte, ele fez com que a narrativa
discorresse sobre ela mesma, o que configura a função metalinguística. Ou então
notar como a linguagem pode ser usada para fazer com que o leitor preste
atenção à sua construção, configurando a função poética, muito bem
vista, por exemplo, no largo emprego de proparoxítonas em "Balada do
Mangue", de Vinicius de Moraes, servindo para representar a situação anormal
e canhestra de a feminilidade ser usada para prostituição. Além disso, o aluno
pode ser instigado a reconhecer a capacidade que os textos têm de preservar
nossa identidade e nosso patrimônio cultural. É o que se vê, por
exemplo, no poema "Não Sei Dançar", de Manuel Bandeira, ou no
romance Amar, Verbo Intransitivo, de Mário Andrade, em que se
apresenta o corso: em ambos é descriTo como se festejava o Carnaval em tempos
passados.
Quadro de Portinari retratando a zona de prostituição do Mangue no Rio de Janeiro. |
Ainda nesse
escopo, quem vai prestar ENEM precisa levar em consideração que a
língua é um instrumento social e, portanto, suscetível a variações
ligadas ao contexto em que é utilizada. Logo, não existe um
padrão único, mas vários, que são os níveis de linguagem, todos legítimos,
cabendo apenas observar em que situações são adequados. Deve-se então aceitar
que a publicidade, entre tantos outros gêneros, utiliza linguagem coloquial
para garantir maior alcance à sua mensagem. O que não significa que o
padrão culto perdeu sua utilidade: há momentos em que ele é vital,
como na documentação científica ou na redação de regulamentos.
Com relação ao
corpo, não se deve esquecer que ele é capaz de carregar e transmitir
significados, promovendo a criação de identidade, a integração social e a
satisfação de necessidades cotidianas. Quando se dança, por exemplo, pode haver
uma preocupação em seduzir, divertir, assim como quando se pratica esporte pode
estar-se buscando conhecer pessoas ou mesmo competir e garantir a primazia
dentro de um grupo social. Ou ainda garantir melhor qualidade de vida. Nesse
aspecto, há sempre uma questão que apresenta um texto que versa sobre a
necessidade de mudança de hábitos corporais em nome da saúde.
O ENEM cobra
também a análise da arte em suas múltiplas manifestações, todas
legítimas, não importando se é um quadro de Cézanne, um concerto de
Bach, um grafite nos muros de São Paulo ou o funk erotizado e marginal dos
morros do Rio de Janeiro ou de ostentação da periferia de São Paulo. Seguindo
essa linha, é vital entender que o conceito de beleza, essencial para a
manifestação artística, não é universal, pois é um fenômeno
cultural e, portanto, relativo: tanto é bela uma top model como Gisele Bündchen quanto uma
miss plus size ou mesmo uma mulher de pescoço de girafa da
Tailândia.
Dentro do campo
artístico, atenção especial deve ser dada à literatura. É
importante perceber que esse tipo de produção está sempre inserido em seu
momento e por isso revela características do seu contexto histórico, social e
político. Assim, deve-se lembrar, por exemplo, que o Romantismo, surgido 14
anos após a independência do Brasil, acaba naturalmente expressando ideais
nacionalistas. Ou que o Primeiro Tempo Modernista, surgido numa época em
que a industrialização de São Paulo já se estava mostrando marcante,
acabaria tendo tendências futuristas. Mas é também importante notar
dentro dos textos literários quais concepções de sua função ou do processo de
construção eles apresentam: um romântico acreditaria que sua
arte é essencialmente emoção e, se a obra conseguiu tocar o coração
do leitor, já cumpriu sua missão estética, sem que haja preocupação com a
forma, o que é o oposto da visão parnasiana, que põe em primeiro
plano o artesanato da palavra, ou do Realismo, que privilegia a crítica social.
Além disso, é necessário lembrar que certos temas não se prendem a uma
escola literária: a valorização da cultura popular, por exemplo, pode ser vista
no Romantismo e no Modernismo, assim como o endeusamento da mulher
está presente no Trovadorismo, no Classicismo, no Romantismo e no Modernismo
de Vinicius de Moraes.
Ademais, o
candidato precisa estar antenado às novas tecnologias, sabendo
identificá-las, além de mostrar-se capaz de entender seu funcionamento e o
impacto social que elas provocam na comunicação e na difusão de conhecimento.
De fato, a internet tem servido para que ideias circulem de maneira espantosa,
não apenas nas redes sociais, em que pessoas trocam informações, opiniões e
conhecimento, mas também em comunicadores instantâneos (as chamadas mídias
síncronas) ou e-mail e fóruns (as chamadas mídias assíncronas). Basta lembrar
como as manifestações de rua de junho de 2013 ou mesmo as últimas eleições
foram alimentadas pelo Twitter e Facebook. Ou então como o contato com arte e
entretenimento ganhou novas dimensões, pois a qualquer hora é possível
ver um programa de 2014 ou de 1969 pelo Youtube ou Netflix. Livros podem ser
lidos em pdf, músicas ouvidas em mp3, o que faz a produção intelectual alcançar
um nível antes inimaginável, ao mesmo tempo em que questões como direitos
autorais passam a ser repensadas.
Importante
destacar: muita atenção deve ser dada à dinâmica de uma questão do ENEM, muito
diferente da de outros vestibulares. Esse grande exame nacional apresentará
sempre um texto-estímulo, um enunciado que inicialmente o contextualiza ou o
resume e – o mais importante – uma última oração que apresenta um comando que
deve ser atendido. Vejamos um exemplo:
(Disponível em www.ccsp.com.br
Acesso em: 26 jul.2010 –
adaptado.)
O anúncio publicitário está internamente ligado ao ideário
de consumo quando sua função é vender um produto. No texto apresentado,
utilizam-se elementos linguísticos e extralinguísticos para divulgar a atração
“Noites do Terror”, de um parque de diversões. O entendimento da propaganda
requer do leitor
a) a identificação com o público-alvo a que
se destina o anúncio.
b) a avaliação da imagem
como uma sátira às atrações de terror.
c) a atenção para a
imagem da parte do corpo humano selecionada aleatoriamente.
d) o reconhecimento do
intertexto entre a publicidade e um dito popular.
e) a percepção do
sentido da expressão “noites do terror”, equivalente à expressão “noites de
terror”.
Note que essa questão exige em primeiro lugar que se entenda que a
imagem faz parte de uma propaganda. Além disso, deve-se perceber o que está
sendo retratado: um pé com uma etiqueta colada ao dedo, o que remete ao
processo de identificação de cadáveres em um necrotério. Dessa forma, o
estudante com competência linguística capta uma referência a algo macabro –
coerente com o produto divulgado. Além disso, o examinando tem que mostrar
inteligência ao notar que a grande jogada do anúncio publicitário é tornar sua
mensagem chamativa e para isso é bastante comum o emprego de jogos de linguagem,
como o que aconteceu na frase “Quem é morto sempre aparece”, que surpreende ao
inverter o dito popular “Quem é vivo sempre aparece”. Assim, depois de feita
essa análise, o candidato já tem em mente qual é a resposta antes mesmo de
saber as alternativas apresentadas. Seu trabalho será entender a proposta,
apresentada na última oração do enunciado, e a partir de então meramente
localizar a resposta correta, sem se preocupar com a eliminação das erradas.
Quem não entende essa dinâmica acaba muitas vezes caindo em um problema muito
comum: achar que mais de uma alternativa está certa. Na verdade, quem incorre
nesse erro, ou não conhece a matéria cobrada, ou não entende o texto-estímulo,
ou (aqui está a falha comum e mais simples de ser evitada) não leu atentamente
o comando apresentado na última oração do enunciado.
Por fim, há que
se tomar cuidado quanto à redação, que tradicionalmente lida com problemas
sociais. O examinando deverá primeiramente entender qual a proposta apresentada
para então buscar no conjunto de textos-estímulo ideias que embasarão o seu
ponto de vista dissertativo, sempre tendo em mente uma intervenção que
solucione o problema debatido e que respeite os direitos humanos.
Enfim, a proposta do ENEM, apesar dos tropeços que o
arranharam, é muito bem intencionada: avaliar o aluno dotado de
competência linguística, aquela que fará, pois, um profissional e um cidadão
eficiente. Resta então aO Magriço Cibernético desejar que seus
leitores tenham um excelente desempenho neste final de semana. Boa prova a
todos!
Muuuito boooom!
ResponderExcluirObrigado! Espero que seja útil para você!
ExcluirMuito legal o texto!!
ResponderExcluirFico feliz que você tenha gostado! E boa prova!
ExcluirÓtimo !!!! Continue postando, seus artigos todos são muitos úteis !
ResponderExcluirMuito obrigado!!!!
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