Em 1933, o húngaro Rezsoe Seress, após uma
decepção amorosa, compôs “Szomorú Vasárnap”, título que pode ser traduzido em português
como “Domingo sombrio”. Trata-se de uma canção que, conforme atestado no vídeo
acima, fala da tristeza da ausência da amada, além de ter como tema a
consciência extremamente desencantada de uma sociedade em crise. Seu final é
bastante emblemático: “o mundo acabou”. O fato é que essa peça começou a ser
associada a muitas histórias sensacionalistas, algumas sem comprovação: a amada
de Seress, que o havia dispensado, pôs fim a sua própria vida, sendo encontrada
morta ao lado de um papel com a transcrição da letra da música em questão; uma
onda de suicídio teria sido desencadeada então na Hungria e em outras partes do
mundo por onde “Szomorú Vasárnap” passava; a BBC havia proibido a execução da
tradução dessa canção em 1940; no ano seguinte, Billie Holiday gravava nos
Estados Unidos a versão “Gloomy Sunday” (fato), após uma intensa campanha de marketing (fato) que atribuía à obra o
título de “a música mais triste do mundo” ou de “a música suicida”, ajudando a trazer
à baila muita invenção típica de lenda urbana. Por fim, em 1968, Seress
atirou-se de um prédio, livrando-se do peso que essa obra representava sobre
seus ombros.
Quando
se fala na influência de “Szomorú Vasárnap”, aqueles que estão familiarizados com
o universo da música pop lembram-se
imediatamente de “Suicide Solution”, do álbum que Ozzy Osbourne lançou em 1980,
Blizzard of Ozz. Não se tem certeza
do que inspirou essa composição. Há quem diga que ela se refira às crises de
alcoolismo do próprio cantor. Outros afirmam que se refira a um seu companheiro de rock que encontrou a morte graças a esse
vício. Mas o fato que pesa contra essa peça é que em 1984 o norte-americano John McCullom, de 19
anos, suicidara-se ouvindo a música desse roqueiro. Apesar de o jovem estar escutando no seu quarto o álbum Speak of
the Devil (1982) no momento em que deu fim à vida, seus pais alegaram que
ele havia ouvido antes na sala Diary of a
Madman (1981) e o fatídico Blizzard
of Ozz. Foi o suficiente para que entrassem com processo contra o músico e
a gravadora, alegando que “Suicide Solution” é que havia exercido nefasta
influência. Gente que não entendeu o jogo ambíguo de palavras: “suicide
solution”, ou “solução suicida”, é uma referência à bebida, solução (no
sentido de líquido em que se dissolve algo, seja outra substância, seja algum
problema da vida) que lentamente conduzia à morte – e tomá-la com consciência
desse risco era uma atitude suicida. No fim, o artista ganhou a causa, mas não
se pode esquecer que esse acontecimento, além de ter dado notoriedade ao que ele produzia, pôs à tona uma
questão: pode a arte influenciar comportamentos?
Antes que se levante a hipótese de que uma
interferência perniciosa só poderia vir de arte de baixa qualidade, qualificação
que o senso comum (que nem sempre tem conhecimento da verdade...) costuma
atribuir à produção voltada às massas, deve-se lembrar o exemplo de Anna Karenina, romance que o russo Leon
Tolstói publicou em 1877. A protagonista que dá nome ao livro suicidou-se
atirando-se à frente de um trem que chegava à estação, o que inspirou muitas
moças da época, igualmente descontentes com a vida, a praticarem o mesmo ato.
Entretanto, o exemplo mais famoso nesse campo é
Os Sofrimentos do Jovem Werther,
romance que Goethe publicou em 1774 e que alguns diziam que possuía um caráter
autobiográfico: o autor também fora apaixonado por uma mulher chamada Carlota,
noiva de um amigo. A influência que essa obra exerceu pode ser primeiramente
percebida no fato de a vestimenta do protagonista, casaca azul e colete e calça
amarelos, ter passado a ser item essencial para os jovens de então. Mas a força
dessa obra foi além do vestuário. Werther matou-se ao perceber que não ia
conseguir realizar o seu amor. Boa parte dos leitores dessa obra resolveu fazer
o mesmo, o que acabou gerando a maior onda de suicídio que a Europa conheceu.
Werther, personagem de Goethe. |
Mas o que é útil aqui não é se a arte
tem realmente tal poder sobre o comportamento das pessoas a ponto de fazê-las deixar
de enxergar validade na existência. Mais importante é entender porque alguns,
inspirados no que ouvem, veem ou leem, entregam-se à turbulência de um romance,
de um filme ou de uma música, passando a imitá-los. O que se quer colocar em
pauta, portanto, é que esses são exemplos do que muitas vezes se falou nO Magriço Cibernético: o texto é uma
articulação de ideias que se dá tanto interna quanto externamente. Assim, é
certo que esses autores utilizaram experiências pessoais na construção de suas
obras. Entretanto, deve-se lembrar que, como antenas da sociedade, captaram o
espírito de seu tempo, o zeitgeist.
Goethe sintonizou a desestabilização da mudança do mundo antigo para o atual, o que era a base de toda a efervescência romântica. Tolstói provavelmente
acumulou em sua obra as suas inquietações de se ver em meio a uma Rússia
czarista, que queria ser Europa, mas que no fundo se comportava como um universo à
parte (até hoje...). Seress sentiu a angústia do Entre Guerras, a agonia de
ser tragado pela iminência de um apocalipse, além do desencanto ao ver que a
tão ansiada promessa de um mundo melhor não viera, como bem expressara Drummond
em “A Flor e a Náusea” (1945):
Não, o tempo não chegou de completa justiça.
O tempo é ainda de fezes, maus poemas, alucinações e
espera.
Ozzy
verbalizou em sua letra maldita o mal-estar de uma sociedade norte-americana
que ainda não havia cicatrizado as feridas do Vietnã e que tinha sido humilhada
pelo que ocorrera na embaixada no Irã, sem mencionar a crise econômica que
arranhava o poderio dessa nação. Essa música acabaria por vaticinar, pois, o
clima que dominaria toda a década de 1980, marcada pelo caráter sombrio de darks, góticos, metaleiros e que acabou tão bem sintetizado na estética
sem sorriso de Blade Runner (1982).
Dessa forma, o que essas obras provam é que a arte,
como produção histórica (diriam os marxistas) ou como total expressão do self (como diriam os junguianos), é
fruto de articulações múltiplas. Por um lado, é a expressão de angústias pessoais.
Por outro, é fruto do que o espírito de um tempo imprime no seu autor, que
acaba digerindo-o e devolvendo-o ao seu meio. Nesse ponto, cria-se uma via de
mão dupla: ao mesmo tempo em que a um trabalho estético influencia o indivíduo,
este também o influencia. Em outras palavras: a arte influencia comportamentos, mas é também influenciado por eles. Compreender esse jogo é entender a beleza da
dinamicidade de um texto.
Resumos, análises e comparações.
Para comprar,
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ResponderExcluirObstinado a destilar da inércia hodierna a consciência da população, o movimento “Contra Filé” fez seu ato. O enorme significante foi erguido, uma estátua que sintetizava os etéreos e ditatoriais processos de catracalização, a burocracia, os preconceitos e velhos cânones enferrujados. Tudo se realizou no Largo do Arouche, os transeuntes passavam distraídos e, quando notavam a imponente catraca, não entendiam o significado dela e voltavam logo às atividades rotineiras.
ResponderExcluirDessarte, a validade do protesto é anulada, seu fracasso já era esperado. Um movimento artístico não é capaz de provocar mudanças e quebra de paradigmas permanentes na sociedade. A realidade sobeja provas: Há 400 anos atrás o Brasil era um país preconceituoso, patriarcal e desigual. E agora, diversas escolas literárias depois tudo mudou? o país de hoje não continua preconceituoso, patriarcal e desigual? Na França, berço do Iluminismo égide da igualdade, fraternidade e liberdade não discute-se atualmente as populações “etnicamente estranhas”? Os EUA, espectador em Woodstock da semana pacifista e contraria ao belicismo não é a mesma nação que desponta como maior potência da industria bélica mundial? Em qualquer um dos três casos (e quaisquer outros infinitos que posso levantar), a arte se configurou como mera sintetizaste de sentimentos e questões já existentes. Ademais, em todos eles, ela foi só uma pequena chama: logo se apagou e como resultado, seus espectadores também voltavam logo aos seus costumes.
Autonomamente de arte, os controles biopolíticos demonizados pelo grupo “Contra Filé” são regidos por algo realmente forte: o Capital e o Estado. As duas entidades se apresentam como gigantes, assenhoreiam-se de nossa vontade, privam-nos de livre arbítrio, reduzem nos à existências à mercê do dinheiro e das leis.
Afinal, como viventes da globalização capitalista, servimos à um sistema que, na sua lógica, reproduz o individualismo e a desigualdade em varias escalas, seja entre governos e suas populações ou entre nações. Exemplificando, os “países do norte” (ricos) apresentam 15% da população mundial e 55% do PIB mundial, enquanto que os “do sul” (pobres), com 85% da população atingem somente 45% do PIB. Números que colocam essas ultimas em relação de forte dependência financeira e tecnológica além de criar, em seus territórios, grandes instabilidades social e política. Duas grandes catracas que acometem os Estados subjugados.
Evidencia-se, assim, apesar de uma boa intenção, a ingenuidade do grupo “Contra Filé” ao tentar presentear a arte com um poder revolucionário e não reacionário como é de fato. Seu ato transforma-se em um grito inaudível em meio ao discurso monótono cotidiano, regido por dinheiro, ambição e sede de poder. Os dominantes instauram controles para guiar seus cativos, sejam os subjugadores os Estados e os subjugados suas populações ou mesmo os primeiros, países ricos e os últimos, pobres.
Ps. Vergonha de postar um texto mixuruca desse depois de seu texto professor T.T