No próximo domingo será realizada a prova da FUVEST, um dos vestibulares mais importantes do país. Aquele que vai prestá-la precisa entender que, pelo menos em Português, nos últimos anos essa avaliação tem-se mostrado sem sustos, artimanhas, mistérios ou segredos. Sua intenção não é descobrir entre os estudantes potenciais filólogos, linguistas, gramáticos ou literatos, mas apenas selecionar quem tem competência linguística adequada para as diversas carreiras do ensino superior, não importa se de humanas, biológicas ou exatas.
Dessa forma, por exemplo, as questões de literatura não vão se concentrar em literatices sobre quem escreveu tal livro ou qual o nome de tal período estético. O que se cobrará é o reconhecimento dos mecanismos de funcionamento do texto literário. Assim, pode-se indagar o que a repetição de um evento (consoante, rima, vocábulo, ação, o que quer que seja) tem a ver com a dinâmica da obra em análise.
Nesse ponto, há algo que ressaltar. Já que todo texto literário é um produto social, pode-se cobrar do vestibulando o reconhecimento da relação que um romance ou um poema tem com o seu momento histórico. Assim, o banditismo de Jão Fera em Til é um típico sinal de que a região em que ele se encontra, o interior de São Paulo, ainda não havia se civilizado por completo, abrindo caminho para a utilização desses recursos violentos para a manutenção de uma certa ordem. Ou então, as plantações de Luís Galvão (cana e café) indicam processos econômicos a que o Brasil se havia dedicado. Até mesmo a posição de sua fazenda revela a maneira como essa região se povoou, concentrada inicialmente em atender a zona aurífera de Minas Gerais. Entretanto, não só de História se viverá. É possível fazer uma ponte com Geografia para entender que o tipo de solo que Alencar chama de rico e ferruginoso é nada mais do que a célebre terra roxa.
Além disso, o candidato deve estar preparado para questões que exigirão a comparação entre as nove obras da lista de livros. Assim, deverá captar, por exemplo, que a presença do comerciante italiano em Til e em O Cortiço revela flagrantes da composição de nossa população. Ou então que a escravidão justifica o comportamento cínico de Brás Cubas ou a desvalorização do trabalho rural como se vê em Jão Fera, de Til, e Jerônimo, de O Cortiço. Sem falar que deixa suas feridas em Memórias de um Sargento de Milícias e Sentimento do Mundo. Enfim, serão questões que funcionarão não apenas como verificação de leitura, mas principalmente de compreensão. Nesse ponto, é bastante válido reler os posts dO Magriço Cibernético dedicados a cada um desses livros (21 de janeiro, 24 de março, 29 de abril, 03 de junho, 17 de junho, 24 de junho, 12 de agosto, 16 de agosto, 02 de setembro, 09 de setembro, 26 de setembro, 03 de outubro, 07 de outubro, 17 de outubro e 28 de outubro).
É também importante lembrar que a FUVEST cobra a compreensão dos mecanismos de funcionamento de uma obra literária e não simplesmente a reprodução de clichês analíticos. Assim, por exemplo, em O Cortiço, obra que todo mundo facilmente associa aos ditames do Naturalismo, pode-se cobrar características comuns ao Romantismo, como a exuberância da natureza brasileira ou a sensualidade feminina associada ao ambiente em que a mulher vive. Ou em Capitães da Areia, há que se lembrar que, apesar de se tratar de um romance do regionalismo modernista, a relação entre Pedro Bala e Dora é uma atualização do Romantismo.
Quanto às questões de interpretação de textos que não fazem parte da lista de obras da FUVEST, o que inclui os literários e os não-literários, o esquema será basicamente o mesmo: o candidato será instado a observar e identificar os mecanismos de funcionamento da linguagem. Assim, será cobrada não só a compreensão do significado de um texto, mas também a busca, por exemplo, de uma palavra que sintetize as ideias apresentadas. Ou então, de uma expressão que as repita em outras palavras. Ou ainda as manifestações dos diferentes níveis de linguagem, principalmente o formal e o coloquial, assim como a transferência de uma frase de um registro para outro. Mas o que se tem mostrado mais interessante é que muitas vezes essa prova exige que o candidato observe um fato apresentado no enunciado para, sem se preocupar em classificá-lo ou rotulá-lo, localizar uma alternativa em que haja uma frase como o mesmo mecanismo linguístico.
Quanto à Gramática, percebe-se que não há mais espaço para filigranas como a cobrança do tipo de sujeito ou oração, ou a identificação da diferença entre um complemento nominal e um adjunto adnominal, entre um predicado verbal e um predicado nominal. As questões têm-se mostrado mais inteligentes, na medida em que mais razoáveis, pois cobram o que é útil para qualquer profissional, não somente para os especialistas em língua. Assim, quando aparecem testes sobre regência, concordância, crase, nota-se que a resposta é obtida sem absurdos conhecimentos gramatiqueiros, mas com um pouco de raciocínio e intelecção textual. No mesmo campo estão questões que pedem para que o candidato indique o valor de uma palavra, principalmente o de um pronome. Alcança a resposta quem compreende o contexto em que ela está inserida. Ou seja, quem sabe ler.
Enfim, é nesse ponto que a FUVEST se tem consagrado como um excelente exame. É uma prova que apenas verifica quem tem competência linguística. Essa habilidade será essencial para quem quiser estudar com eficiência na vida acadêmica. Qualquer que seja a carreira.
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