Final de ano é uma época de simbologias
interessantes, infelizmente algumas perdidas, outras na verdade não percebidas,
o que no fundo pode dar no mesmo resultado negativo. Não as notamos por causa
do nosso cotidiano, que nos faz viver atualmente uma mistura de esperança,
exaustão e estresse. São as férias avizinhando-se, mas também o cansaço
resultante dos doze meses (trabalhos) de Hércules que enfrentamos. Sem contar a
preocupação com as comemorações e, infelizmente, o frenesi consumista a que nos
entregamos, transformando shopping centers
em verdadeiros formigueiros. Nesse contexto, é bastante válida uma pausa
para captar o que estamos deixando escapar desse momento que ainda carrega algo
valioso e nada materialista.
O vídeo acima permite entender ao que
estamos ficando cegos. Trata-se do “Jauchzet, frohlocket”, abertura do Oratório de Natal de Bach, que estreou
em 25 de dezembro de 1734. Se lembrarmos que essa obra foi apresentada aos
poucos durante seis dias (25, 26, 27 de dezembro de 1734 e 01, 02 e 06 de
janeiro de 1735), notaremos que a noção de tempo e de experiência de vida eram
outras. Assumir um compromisso de diariamente não só executar, mas também
assistir a uma composição sacra é hoje um esforço inimaginável. Mas é esse impensável
que precisamos vislumbrar.
O interessante nessa composição barroca
é que sua melodia nasceu profana. Bach então, quando recebeu o pedido para
produzir um oratório, praticou o que alguns chamam musicalmente de paródia:
aproveitou-se do elemento já existente e o aplicou em novo tema. Enfim, o
secular virou sacro. Atualmente, as comemorações que essa obra representa
voltaram a se tornar seculares. Essa comutação, portanto, facilita a entender o
significado profundo da data que estamos comemorando, sem que caiamos em
sectarismos.
Inicialmente, é bastante válido prestar
atenção na letra:
Jauchzet, frohlocket! auf, preiset die Tage,
Rühmet, was heute der Höchste getan!
Lasset das Zagen, verbannet die Klage,
Stimmet voll Jauchzen und Fröhlichkeit an!
Dienet dem Höchsten mit herrlichen Chören,
Laßt uns den Namen des Herrschers verehren!
A tradução poderia ser algo próximo disto:
Grite
de alegria, alegre-se! Eleve-se, louve este dia,
Glória,
pois que hoje o mais elevado foi feito!
Abandone
a hesitação, afaste a lamentação,
Comece
a cantar com muito júbilo e alegria!
Sirva
o Altíssimo com coros magníficos,
Adoremos
o nome do nosso governante!
Trata-se de uma mensagem para que elementos
negativos como medo, lamentação, hesitação sejam banidos e substituídos pela
alegria (muito mais poderosa e importante) diante do fato de que dias novos
estão surgindo. É também uma mensagem para a busca de elevação, de servir
àquilo que está nas alturas. Entretanto, ela ainda é válida hoje?
Natividade Mística (c. 1500-1501), de Botticelli |
Uma obra de 279 anos, de raízes profanas, feita por alguém tão pragmático, teria algo sublime a comunicar em dias tão consumistas? Parece que a
lição que ela nos passa é a de que ainda somos humanos, não importando se o
lastro de nossas manifestações é sacro ou profano. E o final de ano, apesar de
muita coisa parecer provar o contrário, é o momento certo para que esse desejo
de elevação renasça. E, como um mito (e de fato o é!), precisa sempre se
renovar, para que, revivida, a mensagem não se perca.
Mais um ano se acaba, outro está
chegando. E estamos tomando fôlego e prontos para mais desafio. É da essência
humana. E é essa energia que precisa ser celebrada, por isso a necessidade de
nos confraternizarmos, de experimentarmos que o mais valioso, o mais elevado é
justamente estar vivo e compartilhar experiências. Deve-se glorificar o simples
e ao mesmo tempo valioso feito de estarmos aqui, e de não estarmos sozinhos. É
desse pequeno e ao mesmo tempo grandioso ingrediente de que é feita a gloriosa
aventura de nossa existência.
Resumos, análises e comparações.
Para comprar o seu,
Ei, Lau, como vai? Mais um ótimo texto, parabéns. Assisti um filme e apesar de não estar relacionado ao assusto, gostaria de saber se você assistiu "O Grande Gatsby", o que achou, faz parte da literatura estadunidense?
ResponderExcluirFaz parte sim. Eu li na faculdade. Representa a euforia dos anos 20. Lembro que só tinha festa no livro. O filme é assim também
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